Imagem do Cristo crucificado pertencente ao Santuário Arquidiocesano Santa Luzia -  (crédito: Beto Novaes/EM/D.A Press/10/4/2003)

Imagem do Cristo crucificado pertencente ao Santuário Arquidiocesano Santa Luzia

crédito: Beto Novaes/EM/D.A Press/10/4/2003

A Semana Santa em Santa Luzia era sempre dividida em dois grupos familiares: os que vinham se encontrar para rezar e cumprir as tradições e os jovens, que queriam se divertir e aproveitar os primos e amigos. A primeira tradição da Sexta-Feira da Paixão era o ajantarado na casa da minha avó – refeição sobre a mesa imensa, que recebia parentes e agregados. As travessas vindas da cozinha acompanhavam o tamanho da mesa, cobertas com toras de bacalhau que agradavam a todos.

 

Diferente do resto da cidade, minha avó gostava de mostrar fartura, era adepta do exagero. Meu avô, dono do cartório em frente, era mão aberta. Fornecia do bom e do melhor para o almoço e as sobremesas, que eram incontáveis. Tinha muito vinho também, que as mulheres não bebiam. O almoço rolava à tarde, só terminava quando os acompanhantes da Procissão do Enterro começavam a se reunir.

 

 

Outro lance do qual me lembro é ver minha mãe, a artista da família, tentando recriar num lenço o rosto do Cristo morto, desfraldado enquanto Verônica executava seu hino de dor. Verônica deveria ser uma jovem da cidade, vestida de preto da cabeça aos pés, com bela voz. Acompanhava toda a procissão, que parava em frente a cada oratório – eles existiam em muitas casas –, desvendando a imagem do rosto de Cristo pintado no lenço.

 

Verônica parava com seu grupo em cada porta e entoava o hino de dor, sempre em latim. A procissão dava a volta na cidade, trazendo o Cristo morto, colocado na sacristia da igreja para ser preparado para o descendimento da cruz.

 

 

Na sacristia, estávamos eu e minha prima, responsáveis pela preparação do caixão que receberia o Cristo. Nana Gabrich subia a rua comigo levando os lençóis brancos de linho que seriam usados como mortalha.

 

Da sacristia, a imagem ia para o adro da igreja, onde Cristo era colocado no caixão para ser levado em procissão, recoberto com flores, muitas flores. Depois que Nana morreu, as filhas cumpriram a tarefa comigo, que não estarei presente hoje, porque não consigo mais cumprir esta tarefa em pé.