Crianças brincam de médico com boneca -  (crédito:  Janko Ferlic/Pexels)

Crianças brincam de médico com boneca

crédito: Janko Ferlic/Pexels

O filho pede um boneco de Natal: um bebê que pisca. Os pais ficam preocupados, tentam convencer a criança a escolher outro presente. O menino continua querendo o bebê. A mãe decide dar, vai até a loja e a vendedora tenta explicar que aquele brinquedo é “de menina”. O garoto está irredutível, quer a boneca.

Nossas crianças são criadas com base em estereótipos de gênero, ou seja, segundo crenças generalizadas sobre o que seria um comportamento adequado para uma mulher e o comportamento adequado para um homem, separando os papéis de gênero. Essa é uma forma de violência muito sutil contra as crianças desde seus primeiros dias de vida. As meninas têm determinados comportamentos reprimidos porque precisam agir como mocinhas, aprendendo a cuidar, sem a liberdade de se aventurar em descobertas. Meninas choram porque são frágeis. Os meninos têm que ser homens, homens não cuidam, homens são mais aventureiros. Meninos não podem chorar, eles têm sua sensibilidade reprimida. A criação segundo estereótipos de gênero prejudica o desenvolvimento das crianças, produz crianças inseguras e com baixa autoestima.

Quando separamos brinquedos por gênero, estamos sendo violentos. Lembrando que violência não é só física. Se a violência física contra crianças já vem sendo questionada, inclusive temos a Lei da Palmada, a violência psicológica e violência moral ainda são praticadas cotidianamente contra crianças. E a gente nem se dá conta.

Ainda tem muito adulto que acredita que essa separação por gênero é necessária, porque a liberdade de brincar e ter os brinquedos que gostar, poderia influenciar na orientação sexual da criança. Ou seja, a crença de que brincar de boneca vai levar um menino a ser gay, por exemplo. Como se homens não tivessem filhos e não pudessem cuidar dos próprios filhos, como se o cuidado pudesse abalar sua masculinidade. A mesma lógica vale para meninos que brincam de casinha. Fica parecendo que, se um homem lavar uma roupa ou fritar um ovo, ele terá a masculinidade em risco. Daí vem a expressão “masculinidade frágil”.

Em uma sociedade machista e homofóbica como a nossa, a sensibilidade de um homem tem conotação negativa, mas todo ser humano tem sentimentos e precisa ter liberdade de se emocionar. Sim, meninos choram. Homens heterossexuais choram ou deveriam chorar. As mulheres choram e são fortes, cuidam de todos, cuidam dos seus filhos mesmo diante do abandono paterno. As mulheres aprendem a cuidar desde cedo, brincando de casinha. Mulheres ficam doentes e continuam cuidando de si e dos seus, mesmo quando são abandonadas pelos maridos quando diagnosticadas.

Brincando de casinha, os meninos aprendem a não depender de mulheres para fazer o serviço doméstico. Tornam-se homens capazes de colaborar com as atividades da casa como limpar, lavar roupas, fazer comida. Brincar de casinha ensina a dividir as responsabilidades. Eles aprendem a trabalhar as emoções. São brincadeiras que ensinam a viver a masculinidade saudável e evitam a violência doméstica no futuro.

Os estereótipos de gênero acabam limitando as vivências dos meninos e das meninas. Quando adultos, isso gera a sobrecarga materna. E cá estamos nós, mães, reclamando dessa sobrecarga. Não adianta continuar fazendo tudo igual e querer um resultado diferente. É preciso ensinar os meninos sobre autonomia doméstica, para que eles entendam que são igualmente responsáveis pelo lugar onde moram e pelo cuidado com os seus.