A justiça de São Paulo poderá em breve nos dar uma resposta, ao julgar uma ação popular que questiona o uso do naming rights no Estádio do Pacaembu -  (crédito: Divulgação)

A justiça de São Paulo poderá em breve nos dar uma resposta, ao julgar uma ação popular que questiona o uso do naming rights no Estádio do Pacaembu

crédito: Divulgação

Em 2023 estive pela primeira vez em Barcelona e, entre os meus programas turísticos estava, claro, a visita ao estádio Camp Nou. Um dia antes conversei com dois catalães, torcedores do Barça, que, para minha surpresa, disseram que o tour no estádio não tinha muita graça. A princípio pensei que aquela reação era apenas um reflexo da má-fase que a equipe atravessava, mas, ao longo da conversa, concluí que havia outro motivo de insatisfação: a mudança do nome do estádio para Spotify Camp Nou.

 

Na maior parte de sua história, o time do Barcelona sequer teve patrocínios comerciais estampados na camisa, mas havia acabado de firmar um contrato com a empresa de streaming sueca para a venda do naming rights do histórico estádio. Segundo a imprensa espanhola, o valor da transação girou em torno de 65 milhões de euros. Em maio de 2023 o estádio foi fechado para reformas, que deverão ser concluídas em 2026.

 

Naming rights é uma forma de cessão a terceiros do direito de utilização de um nome ou uma marca ligados a diversos tipos de bens, sejam públicos ou privados. A prática, que tem origem nos Estados Unidos no início do século XX, já é bastante comum em vários países.

 

 

Por aqui, ela tem sido bastante associada ao futebol. O primeiro caso que tornou o naming rights mais conhecido do torcedor decorreu da parceria firmada em 2014 entre a Allianz e o Palmeiras, que alterou o nome do estádio Palestra Itália para Allianz Parque. De lá pra cá vários estádios ganharam novos nomes.

 

Podemos citar a Neoquímica Arena do Corinthians, o Morumbis do São Paulo, a Casa de Apostas Fonte Nova, onde o time do Bahia manda seus jogos, e a Ligga Arena do Athlético Paranaense.

 

Mas faz algum tempo que casas de shows, cinemas, teatros e até espaços públicos, como estações de metrô, também alteraram seus nomes para ostentar a marca de certas empresas.

 

Recentemente, a estação central do metrô de Belo Horizonte, localizada na Praça da Estação, ganhou o nome de Estação Central Supermercados BH. A mudança foi fruto de um contrato entre a concessionária do Estado e a varejista.

 

O objetivo principal das empresas que investem nesse nicho é a exposição de sua marca em locais com grande fluxo de pessoas. No caso do futebol e do entretenimento em geral, busca-se, também, associá-la às experiências vividas nestas atividades, com a conversão de parte do público em consumidores.

 

Neste contexto, algumas questões são bem interessantes.

 

No âmbito esportivo, por exemplo, pode haver uma certa resistência por parte de torcedores mais conservadores e o nome acabar “não pegando”. Nada muito grave se considerarmos que a empresa compradora tem plena ciência desse risco e consegue obter ganhos de outra forma, como a venda de produtos nos locais em que sua marca está exposta.

 

Questões mais complexas podem surgir quando o naming rights é utilizado em espaços públicos. Em 2021, a estação do metrô de Botafogo, no Rio de Janeiro, passou a se chamar Botafogo Coca-Cola. Em 2022, porém, os letreiros foram removidos. A razão foi a contestação por uma associação de promoção à saúde sobre o uso, em espaço público, de publicidade que incentiva o consumo de bebidas ultraprocessadas.

 

Mas, afinal, há impedimentos legais para o uso de naming rights em espaços públicos?

 

A justiça de São Paulo poderá em breve nos dar uma resposta, ao julgar uma ação popular que questiona o uso do naming rights no Estádio do Pacaembu. A Allegra Pacaembu, empresa que detém a concessão do estádio, fechou com o Mercado Livre a cessão do uso do nome da nova arena. Pelo acordo, ela se chamará Mercado Livre Arena Pacaembu. O contrato prevê um investimento acima de R$ 1 bilhão por 30 anos de parceria.

 

Para os autores da ação popular (uma deputada federal, um vereador e um deputado estadual), o contrato feito com o Mercado Livre é lesivo ao patrimônio público porque fere os princípios da finalidade, moralidade e impessoalidade. Afirmam, ainda, que o contrato feito entre a concessionária do estádio e a Prefeitura de São Paulo não permite a cessão do nome por meio de naming rights, principalmente porque em uma de suas cláusulas há a obrigatoriedade de manutenção do nome original. Por fim, alegam que a alteração do nome fere a identidade e a memória coletiva do bairro onde está localizado o estádio.

 

A ação foi proposta contra o Município e a concessionária. A pedido do Ministério Público, o juiz da causa incluiu o Mercado Livre no processo e determinou que a empresa exibisse o contrato de naming rights. A empresa, porém, se negou a cumprir a ordem, alegando que o contrato foi realizado entre particulares e contém cláusula de confidencialidade.

 

No início desta semana, o Município de São Paulo apresentou sua defesa rebatendo todas as alegações contidas na ação. Foi destacado que a cessão de naming rights pela administração pública a particulares busca uma solução racional para a exploração econômica de bens públicos e permite a obtenção de mais receitas sem que haja a necessidade de aumento da carga tributária.

 

A defesa alegou também que o contrato não viola o princípio da impessoalidade porque o objetivo da cessão não é de promoção do nome de um particular, mas a ampliação destas receitas. Por fim, o Município citou que a lei que regula a concessão do Complexo do Pacaembu (Lei (16.696/2017) exige que o nome original seja mantido, mas permite que a ele sejam acrescidos outros nomes.

 

O julgamento desta ação ainda vai demorar, mas podemos antever que o que se discute nela acabará sendo objeto de uma regulação específica. Em 2023, a Câmara de São Paulo criou uma lei para regular o direito de cessão via naming rights, mas ela acabou também sendo questionada na justiça.

 

Por aqui, em relação à Estação Central Supermercados BH, o Governo de Minas Gerais anunciou que analisará se o contrato de concessão do metrô permite a cessão dos nomes das estações do sistema.

 

*O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes

 

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipeadvrr@gmail.com