Com flores amarelas tais quais raios de sol, os pequizeiros percorrem o Cerrado, atravessando Minas Gerais desde a divisa com Goiás até o Norte do estado, onde seu fruto de aroma forte e sabor marcante tornou-se referência da cultura local. Foi lá, na maior cidade da região, em Montes Claros, que a prefeitura e o governo do estado lançaram, no mês de maio, o projeto “Sabores do Gerais”. A iniciativa está vinculada ao Programa Mineiro de Incentivo ao Cultivo, à Extração, ao Consumo, à Comercialização e à Transformação do Pequi e Demais Frutos e Produtos Nativos do Cerrado (Pró-Pequi), criado em 2001 pela Lei nº 13.965.
“O objetivo é valorizar a fruticultura característica do norte mineiro, com destaque para o pequi, símbolo da gastronomia regional. As ações também vão incentivar o turismo gastronômico, a produção sustentável e o fortalecimento da economia local”, explica Walmath Magalhães, analista do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas). A instituição parceira também criou um cronograma de atividades mensais até junho de 2025 – com palestras, consultorias em bares e restaurantes, rodadas de negócios e visitas técnicas.
Com R$ 23,3 milhões em caixa, o fundo Pró-Pequi é gerido por um conselho diretor com representantes do poder público e da sociedade civil, tais como cooperativas e universidades. A presidência e a estrutura administrativa estão a cargo da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa). Segundo o órgão, entre 2020 e 2023, foram investidos R$ 3,4 milhões na cadeia produtiva de frutos do Cerrado, com perspectiva de chegar a R$ 5 milhões até o fim deste ano. Os valores são aplicados em diferentes ações.
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"Entre as ações, estão a realização de pesquisas da broca do pequi e a execução do convênio com o Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Ambiental e Sustentável do Norte de Minas (Codanorte), para prestar assistência técnica aos produtores agroextrativistas. Também temos execução de convênio com a Prefeitura de Montes Claros para a inserção dos frutos do Cerrado na merenda escolar e na gastronomia regional (cardápio de botecos e restaurantes) e investimentos na reestruturação e compra de equipamentos de associações e cooperativas, selecionadas por meio de chamamento público", detalha a Seapa.
Distorções preocupam
Um dos principais gargalos do setor está na compilação de dados sobre a produção do pequi. O Estado de Minas entrou em contato com uma série de órgãos estaduais e federais e teve acesso a números muito distintos. Enquanto a Seapa informa que o estado produziu 216 mil toneladas de pequi em 2023, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta para uma colheita de 36 mil toneladas no mesmo período, uma diferença de 500%.
O problema também foi apontado em uma tese da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A autora, a servidora pública de Monte Claros Sarah Melo, é colaboradora do Núcleo do Pequi – uma rede de associações, cooperativas e instituições ligadas ao fruto.
“Eu fiz essa análise com os dados do IBGE, da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), de agricultores e de atravessadores que vendem pequi, para realmente comparar a distorção de números”, afirma Sarah ao Estado de Minas. O trabalho do doutorado dela foi intitulado como “Ecologia política e econômica do extrativismo do pequi (Caryocar brasiliense): bases para seu manejo sustentável em Minas Gerais”.
Além de Montes Claros, a Seapa lista 14 municípios mineiros como produtores: Itacambira, Itamarandiba, Januária, Japonvar, Jequitaí, Josenópolis, Lagoa dos Patos, Lontra, Luislândia, Mirabela, Monte Alegre de Minas, Monte Azul, Montezuma e Morro da Garça. Quanto à exportação do pequi, o órgão informa que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) não tem registro individual para o fruto.
Proteção aos pequizeiros
Em 2001, ano em que a lei do Pró-Pequi foi sancionada pelo então governador Itamar Franco, o pequizeiro foi eleito a árvore símbolo de Minas Gerais – em um concurso popular do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG). Apesar de ser protegida em todo o território nacional, a espécie pode ser derrubada para projetos de utilidade pública ou de relevante interesse social.
Em 2012, o então governador Antônio Anastasia, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), sancionou uma lei que reduziu as restrições para o corte do pequizeiro. Com a alteração, também passou a ser permitido o abate em área urbana, de distrito industrial legalmente constituído ou de implantação de empreendimento agrícola ambientalmente viável em área rural.
O então deputado estadual Rogério Correia (PT), hoje membro da Câmara Federal, criticou a decisão à época. “O pequi é o 'rei' do Cerrado. Se flexibiliza seu corte, flexibiliza o corte do Cerrado”, disse o autor do PL que deu origem ao programa Pró-Pequi. Sete anos depois, já como parlamentar em Brasília, o petista apresentou outro texto sobre a temática, o PL 1.970/2019, que proíbe a derrubada do pequizeiro. Cinco anos depois, a matéria ainda aguarda análise do Senado Federal.
Em março de 2024, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o PL, que também cria a Política Nacional para o Manejo Sustentável, Plantio, Extração, Consumo, Comercialização e Transformação do Pequi e de Outros Frutos e Produtos Nativos do Cerrado. O projeto segue em tramitação e, desde junho deste ano, está na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária – nas mãos da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), atual relatora.
Nativo do Cerrado brasileiro, o pequi não se restringe a Minas Gerais. O fruto também faz parte da cultura de outros estados, como Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins.