O desempenho da economia no ano passado, divulgado pelo IBGE, serve de alerta sobre os riscos de jogar na defensiva. A economia cresceu 2,9% em 2022, mas fechou o quarto trimestre em queda de 0,4% sobre o período trimestral anterior, indicando para este ano e os seguintes, mantida a política econômica tradicional, outra década de estagnação.
Como a economia é dinâmica e estamos inseridos no mundo globalizado da produção, estagnação significa retração, comparada tanto com o PIB mundial quanto com os nossos principais parceiros, como China e EUA.
Olhando-se o indicador do PIB para períodos maiores, que é o jeito certo de acompanhar as transformações da economia, o resultado não permite otimismo. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, segundo análise do economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o PIB teve crescimento médio anual de 1,5%, só acima das taxas na gestão Dilma, de pífio 0,4%, e da retração de 1,3% no breve mandato de Collor.
Os oito anos de Lula foram marcados pelo crescimento médio anual de 4,1%, contra 2,4% nos dois mandatos de FHC. Na gestão Temer, de parte de 2016 a 2018, o PIB cresceu 1,4% ao ano em média – todos abaixo dos resultados médios anuais dos governos Itamar, 5%, e Sarney, 4,4%.
Não faltam indicadores para atestar que algo muito errado nos desvia do anseio coletivo por progresso, sendo o PIB a soma das realizações dos entes privados e públicos, além de famílias. O índice de volume trimestral do PIB calculado pelo IBGE, com o dado de 1995 igual a 100, registra que a atividade econômica no trimestre passado, com índice 178,4, repetiu a do 3º trimestre de 2013. Leia-se: passaram-se dez anos e o PIB real nem se mexeu. Isso é chocante.
O que o mundo nos ensina
Na métrica da paridade de poder de compra, que elimina distorções do câmbio, tínhamos em 1980 o sexto maior PIB do mundo num ranking em que os EUA eram o número 1 – e abaixo de nós vinham Inglaterra, México, Índia e China. Quarenta e dois anos depois, China passou os EUA, Índia vem em terceiro, Indonésia já tem o sétimo maior PIB e caímos para a nona posição. China avançou quase 100 vezes no período, EUA, nove, e Brasil, 6,5. Opa!, dirá o otimista: “Estamos na cola dos EUA”. Não.
Os EUA sempre praticaram política industrial manejando o maior orçamento militar do mundo, maior que dos sete países seguintes neste ranking. Hoje, a estratégia desenvolvimentista sobre a qual não se deve chamar pelo nome, segundo ironia de estudo antigo do FMI, impulsiona a reindustrialização nutrida por investimento público e subsídio fiscal – pouco mais de US$ 2 trilhões em 10 anos, US$ 200 bilhões ao ano. E o que aconteceu? Já está dando frutos.
"Economia de alta pressão"
Desse ouvidos, Biden não teria ampliada a pequena maioria no Senado e a perda da Câmara teria sido acachapante nas eleições de novembro. A maioria foi perdida por exatos 6.675 votos, frustrando as pesquisas e a certeza de Trump de que a vitória republicana seria esmagadora.
A retomada da economia dos EUA explica a força do octogenário Biden. A taxa de desemprego, de 3,4%, é a menor em mais de meio século, com a população ocupada chegando a 80,2% do total em idade de trabalhar. E nem por isso os salários correm à frente da inflação. É notável também o investimento em fábricas: saltou de US$ 70 bilhões no fim de 2020 para US$ 105 bilhões em 2022, segundo o BEA. O gasto em equipamentos industriais foi de US$ 250 bilhões para US$ 320 bilhões.
Pode estar se viabilizando a teoria da secretária do Tesouro, Janeth Yellen, sobre benefícios de deixar a economia esquentar num período inflacionário. Ela expôs a hipótese quando estava à frente do Fed em 2016, ao arguir se seria possível “reverter efeitos adversos do lado da oferta executando temporariamente uma ‘economia de alta pressão’, com demanda agregada robusta e mercado de trabalho apertado”.
Paulo Guedes de esquerda
Só que o enredo de 2003 previa a economia em ascensão. O legado de Bolsonaro é de terra arrasada. Lula recebeu um país em que o emprego precário é a regra, miséria está exposta nas grandes cidades, renda domiciliar per capita é muito baixa, de R$ 1.625 por mês em 2022, com mais de 70 milhões de inadimplentes, nos dados da Serasa, dívidas de empresas de R$ 260 bilhões, e contando, e bancos trancados.
Uma multinacional centenária no Brasil precisou de fiança bancária de R$ 400 milhões, dinheiro de troco para ela, e só a conseguiu com um consórcio de bancos. Bastava um banco em tempos normais.
A indústria de transformação, que já foi a maior no mundo emergente, é a 34ª no ranking de exportações. No PIB, a sua participação caiu de 17,4% em 2005 para 12,9% em 2022. Com fatia de meros 7,9% no PIB, a agropecuária é um sucesso para gerar dólares, não para a arrecadação tributária nem criação de empregos fartos. Só a indústria, mesmo não sendo hoje grande empregadora, é capaz de dinamizar os serviços, cuja fatia de 68,2% no PIB depende da dinâmica industrial e de obras.
Por onde começar a resolver? Não é mais solução esperar pela “fada da confiança” do mercado. Lula vai jogar na retranca ou no ataque?