Estamos vivendo uma verdadeira praga linguística, a praga da gratidão. Ora acompanhada pela sua quase inseparável hashtag, ora solitária, a palavra gratidão não sai mais da boca e das redes sociais das pessoas. Esqueceram-se do simples e cordial obrigado, leitor. Agora, quem está em alta é a tal da gratidão.
Nascido nas redes sociais, o modismo em questão enterrou a dignidade da lexia gratidão, a qual se transformou no bode expiatório preferido da maioria. Quer ver? Se a autoestima estiver baixa, sedenta por comentários e por curtidas, basta escolher uma foto pseudodespretensiosa, em que haja um decote à mostra ou um cenário invejavelmente paradisíaco e luxuoso. Depois é só escrever, na legenda, a palavra gratidão. Pronto. Ninguém (exceto pessoas como eu, é claro) vai julgar os seus desejos escusos, afinal de contas, você é grato. Pelo silicone, pelo barco, pelo carro, mas é grato.
Pior ainda é quem, em diálogos cotidianos, utiliza gratidão no lugar de obrigado. Ora, quer coisa mais antinatural e esquisita do que isso? Você segura a porta do elevador para o indivíduo e ouve, prontamente, um gratidão. Será que só o meu cérebro trava? Cadê o obrigado, gente? Todos aprendemos na escola: meninos falam obrigado, e meninas falam obrigada. Simples assim. Fora a banalização da coitada da palavra, né? Eu, que sempre fui grata, gratíssima, não consigo mais usar o vocábulo gratidão.
E o mais paradoxal disso tudo: a supervalorização do termo gratidão foi justamente o que o desvalorizou, vulgarizou, achincalhou. Tenho um dó danado das palavras... Já escrevi isso aqui algumas vezes, mas a minha piedade não vai embora, leitor. Sinto tanto pelas lexias desgastadas que sou capaz de não as utilizar justamente para dirimir tamanho sacrilégio. Talvez você também o possa fazer. As palavras, indubitavelmente, serão eternamente gratas a você. Inclusive, eu até já lhe agradeço antecipadamente. Mas sem #gratidão.