Os sete pecados capitais – preguiça, soberba, avareza, ira, gula, luxúria e inveja – estão presentes nos mais diversos contextos humanos, principalmente no corporativo. E, como nada é tão ruim que não possa piorar, esses desvios geralmente carregam outros desarranjos: os gramaticais.
Preguiça: provavelmente, o pecado que mais incomode os colegas seja a preguiça. E sempre há um funcionário assim. Sabe aquele tipo que “prefere deixar tudo como está para ver como é que fica”? Pois é. Trata-se do pecador “talvez seje”. Como ele procrastina tudo o que lhe convém, vive no modo subjuntivo, na hipótese, e raramente passa para a ação. Talvez ele SEJA a causa da sobrecarga dos eficientes, que costumam fazer o trabalho dele em nome do resultado.
Soberba: a antítese do funcionário “talvez seje”, o empregado “se você tivesse trago”, manifesta a soberba como ninguém. Dotado de uma autopercepção hiperbolicamente positiva, não atribui a si nenhuma falha, dizendo ao outro que, “se ele tivesse trago” a tarefa adiantadamente, por exemplo, o problema não haveria ocorrido. Entretanto, se o narciso em questão TIVESSE TRAZIDO alguma humildade, a saúde mental da organização agradeceria.
Avareza: depois temos o trabalhador – demasiadamente trabalhador, inclusive – “planejar antecipadamente”, cujo pecado capital é a avareza. Para ele, nada é mais importante do que acumular conhecimento, mas sem dividir com ninguém. De tanto “planejar antecipadamente”, esse tipo de pecador se torna frio e perniciosamente prático. Ele precisa apenas PLANEJAR, sem o pleonástico “antecipadamente”, e dividir. Mas falta-lhe generosidade.
Ira: comumente, apenas o chefe manifesta publicamente a ira, a qual pode vir acompanhada do “em nível de”. Seguindo a lógica maquiavélica, esse tipo de pessoa prefere ser temida a ser amada e costuma esbravejar frases do tipo “a nível de competência”, você é um zero à esquerda. Ora... Não se deve falar assim nem do ponto de vista humano tampouco do ponto de vista gramatical. EM NÍVEL DE chefe, esse é o pior. Melhor se ele estivesse A NÍVEL DO mar, para lá ser naufragado.
Gula: ao guloso cabe, indubitavelmente, o “pra mim fazer”. Consome todas as tarefas possíveis, como se o mundo fosse acabar amanhã. Ansioso por natureza, detém um desequilíbrio emocional no qual o “pra mim fazer” impera. E, como sorve mais trabalho do que o esperado, costuma ser o queridinho dos colegas até o dia em que, por ter ignorado o prejuízo à saúde do PRA EU FAZER, vê as suas forças exauridas. Nesse momento, ele percebe a falibilidade do excessivo PRA EU FAZER.
Luxúria: o funcionário luxurioso não costuma perceber a si como tal. Possuidor de uma natureza eufórica, traveste a luxúria em exibicionismo sensualizado. Para esse tipo de pessoa, nada é mais importante do que a sexta-feira, os feriados e as festas. O negócio dele é ter “bastante diversões”, mesmo que isso signifique trabalhar de ressaca no dia seguinte. Ele não se importa em ser alvo de fofocas, já que o lema é “falem bem ou falem mal, mas além de mim”. São BASTANTES DIVERSÕES mesmo!
Inveja: a meu ver, a inveja consiste no mais degradante dos pecados capitais, já que, diferentemente da cobiça, em que o indivíduo anseia por algo que não tem, na inveja ocorre o desejo de que o outro não tenha. Esse é o funcionário “mais ele não merece”. Como não consegue (ou não quer?) enxergar os esforços genuínos dos colegas no processo de alcance dos objetivos, sente-se aviltado pelas conquistas alheias. Entretanto, o invejoso precisa voltar os olhos gordos para si, a fim de perceber a devassidão do “MAS ELE NÃO MERECE” e vivenciar o “mas como vou fazer para eu merecer?”
Pecaminosos todos somos. Mas cabe a nós a vigília, independentemente de religião. Se você não lê a Bíblia, leia Aristóteles. Sugiro também a obra Pequeno tratado das grandes virtudes, de André Comte-Sponville. E, obviamente, uma boa gramática, como a do primoroso Rocha Lima. Furtemo-nos, pois, dos desvios. Humanos e gramaticais.