Andrade era um desses homens cujo perfeccionismo chegava a níveis extremos. Atormentado por uma síndrome de super-homem incorrigível, aliada a um transtorno obsessivo compulsivo permanente, ele acumulava mais funções do que um ser humano normal conseguiria suportar. E, não satisfeito em exigir demasiadamente de si, fazia-o com os seus subordinados.
– Claudinei, eu já não falei que os clipes coloridos são para as pendências e que os clipes prateados são para os trabalhos finalizados?
– Desculpa, chefe. Me enganei.
– Tenho que fazer tudo nesta empresa, tudo!
Irritava-se, exorbitantemente, por qualquer coisa:
– Dona Odete, quantas vezes eu vou ter que repetir que não posso tomar suco de laranja? Ataca a minha azia!
– Mas tem vitamina C, senhor Andrade. O senhor anda muito abatido.
– Eu quero que a vitamina C se exploda! Entende, Dona Odete? Se exploda. E eu estou ótimo.
Cada erro de português em um e-mail era uma fincada no estômago:
– Quando esse imbecil do Gabriel vai aprender que todo vocativo é virgulado?
Respondeu:
“Gabriel,
Você está vendo esta vírgula depois do seu lindo nomezinho? Pois é. Ela fica presa a ele, meu caro. Já ouviu falar de vocativo? Provavelmente não. Vocativo é a palavra que usamos para chamar. E ela é sempre virgulada! Olha que surpresa boa para você! Outra novidade: independentemente da posição, o vocativo será virgulado. Por exemplo:
Gabriel, quando você vai aprender?
Quando, Gabriel, você vai aprender?
Você vai aprender quando, Gabriel?
Atte.
Andrade”
E eis que o enfurecido e-mail chegou à CEO, que, ciente das inestimáveis qualidades de Andrade, exigiu deste um check-up.
– Pra que check-up? Coisa de gente fresca, dona Odete! É óbvio que tenho todas as doenças inerentes a quem trabalha muito. Quanto mais competente, mais problemas de saúde. E o negócio não é ficar tratando, porque tudo volta. O negócio é não valorizar a dor, o cansaço.
Dez dias depois, Andrade voltou ao médico para saber os resultados dos exames:
– E aí, doutor? Estou cheio de doenças de empresário, né?
– Não. Pelo contrário: seus exames estão ótimos.
– Mas como assim? Nem uma gastritezinha?
– Não.
– Uma pressão alta, um colesterol alto?
– Não.
– Diabetes? Claro que tenho diabetes! Sou sedentário, me alimento mal...
– Nadica de nada. O senhor tem a saúde de um bebê.
– Ah, não! Não é possível! Como vou dar esse diagnóstico pra minha chefe? Executivo que é executivo tem um monte de problemas de saúde. O senhor olhou direito?
– Sim.
Ele saiu desolado do consultório. Que vergonha! Perderia toda a credibilidade. Provavelmente não estava trabalhando o suficiente. Desde então, Andrade passou a trabalhar triplicado. Ao menos uma gastritezinha, ao menos uma gastritezinha...
Resta-nos, então, perguntar:
Andrade, quando você vai aprender?
Quando, Andrade, você vai aprender?
Você vai aprender quando, Andrade?