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A lição de Andrade

Ele não aprendeu nada sobre a própria saúde, mas ensina, com maestria, que todo vocativo é virgulado


25/01/2021 04:00


Andrade era um desses homens cujo perfeccionismo chegava a níveis extremos. Atormentado por uma síndrome de super-homem incorrigível, aliada a um transtorno obsessivo compulsivo permanente, ele acumulava mais funções do que um ser humano normal conseguiria suportar. E, não satisfeito em exigir demasiadamente de si, fazia-o com os seus subordinados. 

– Claudinei, eu já não falei que os clipes coloridos são para as pendências e que os clipes prateados são para os trabalhos finalizados?
 
– Desculpa, chefe. Me enganei. 

– Tenho que fazer tudo nesta empresa, tudo!

Irritava-se, exorbitantemente, por qualquer coisa: 

– Dona Odete, quantas vezes eu vou ter que repetir que não posso tomar suco de laranja? Ataca a minha azia!

– Mas tem vitamina C, senhor Andrade. O senhor anda muito abatido.

– Eu quero que a vitamina C se exploda! Entende, Dona Odete? Se exploda. E eu estou ótimo.

Cada erro de português em um e-mail era uma fincada no estômago:

– Quando esse imbecil do Gabriel vai aprender que todo vocativo é virgulado? 

Respondeu: 
 
“Gabriel, 

Você está vendo esta vírgula depois do seu lindo nomezinho? Pois é. Ela fica presa a ele, meu caro. Já ouviu falar de vocativo? Provavelmente não. Vocativo é a palavra que usamos para chamar. E ela é sempre virgulada! Olha que surpresa boa para você! Outra novidade: independentemente da posição, o vocativo será virgulado. Por exemplo:

Gabriel, quando você vai aprender?

Quando, Gabriel, você vai aprender?

Você vai aprender quando, Gabriel?
 
Atte.
Andrade”
 
E eis que o enfurecido e-mail chegou à CEO, que, ciente das inestimáveis qualidades de Andrade, exigiu deste um check-up. 

– Pra que check-up? Coisa de gente fresca, dona Odete! É óbvio que tenho todas as doenças inerentes a quem trabalha muito. Quanto mais competente, mais problemas de saúde. E o negócio não é ficar tratando, porque tudo volta. O negócio é não valorizar a dor, o cansaço. 

Dez dias depois, Andrade voltou ao médico para saber os resultados dos exames:

– E aí, doutor? Estou cheio de doenças de empresário, né?

– Não. Pelo contrário: seus exames estão ótimos.

– Mas como assim? Nem uma gastritezinha?

– Não. 

– Uma pressão alta, um colesterol alto?

– Não.

– Diabetes? Claro que tenho diabetes! Sou sedentário, me alimento mal...

– Nadica de nada. O senhor tem a saúde de um bebê.

– Ah, não! Não é possível! Como vou dar esse diagnóstico pra minha chefe? Executivo que é executivo tem um monte de problemas de saúde. O senhor olhou direito?

– Sim.

Ele saiu desolado do consultório. Que vergonha! Perderia toda a credibilidade. Provavelmente não estava trabalhando o suficiente. Desde então, Andrade passou a trabalhar triplicado. Ao menos uma gastritezinha, ao menos uma gastritezinha...

Resta-nos, então, perguntar: 
 
Andrade, quando você vai aprender?

Quando, Andrade, você vai aprender?

Você vai aprender quando, Andrade? 

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