Diversidade se tornou a palavra da moda dentro e fora no mundo corporativo. Definida de maneira pouco criteriosa a ideia, cujo potencial transformador é inegável, corre sério risco de se converter em significante vazio e produzir efeitos opostos aos que se propõe.
Além disso, se os programas de diversidade estabelecidos por empresas e outras instituições não promoverem inclusão efetiva serão apenas mais uma forma de expressão do tokenismo, entre tantas outras que já conhecemos.
Além disso, se os programas de diversidade estabelecidos por empresas e outras instituições não promoverem inclusão efetiva serão apenas mais uma forma de expressão do tokenismo, entre tantas outras que já conhecemos.
Neste texto pretendo discutir quais aspectos devemos considerar em programas de diversidade e inclusão para evitar que caiam na armadilha do tokenismo, a partir de exemplos concernentes à inclusão étnico-racial na mídia e no mercado de trabalho. Mas primeiro irei definir e diferenciar os três termos. Para o bem do debate público informado.
Diversidade é um termo que se refere a todo o espectro das diferenças humanas. Entre as dimensões da diversidade podemos incluir características mais perceptíveis, como idade, gênero, deficiência, raça/cor da pele, etnia e outras mais difíceis de visualizar, como condição socioeconômica, status marital e orientação sexual. Nesse sentido, promover diversidade no mercado de trabalho deveria implicar, obrigatoriamente, num ambiente profissional que incorpore diferentes tipos de pessoas e backgrounds.
Inclusão, embora estreitamente relacionada à diversidade, se refere mais às práticas culturais e ambientais que promovem um sentimento de pertencimento. No ambiente de trabalho práticas de inclusão pressupõem que funcionários e demais colaboradores sejam respeitados, valorizados (inclusive financeiramente, mas voltarei a esse ponto mais adiante) e incentivados.
Por fim, tokenismo refere-se a prática de empreender um esforço superficial ou simbólico, tais como trocar a foto do perfil da empresa pela bandeira do arco-íris no mês de junho ou recrutar um número reduzido de mulheres, pessoas racializadas ou pertencentes a grupos subalternizados, apenas para passar a impressão de que a organização se compromete com a igualdade racial, de gênero/sexualidade, entre outras. Enquanto isso suas políticas de promoção e valorização profissional permanecem, explícita ou implicitamente, discriminatórias e fomentando a sobre-representação de homens barrancos nos postos mais bem-remunerados e que envolvem poder de decisão.
Na maioria das vezes, reivindicações por maior diversidade partem de pressão externa às organizações e costumam ser levadas minimamente a sério apenas quando a ausência de diversidade pode implicar em perdas econômicas ou arranhar a reputação da instituição. Pesquisas sobre publicidade e racismo, como as conduzidas pelo professor Pablo Moreno, da UFMG, demonstram que a participação de negros em propagandas de marcas valiosas não é proporcional à realidade da população brasileira. De acordo com dados do IBGE 53,9% dos brasileiros são negros. Porém, a representatividade negra em postagens do Instagram de algumas marcas do segmento de bebidas, objeto da pesquisa mais recente de Pablo Moreno, é de aproximadamente 30%. Embora haja uma evolução em termos de participação negra nesses espaços, a sub-representação e a permanência de determinados estereótipos seguem sendo a tópica.
Uma pesquisa realizada pelo GEMAA, do Iesp-Uerj, sobre a participação de negros no cinema brasileiro revela que apenas 2% dos diretores e 4% dos roteiristas são negros (não há nenhuma mulher negra diretora ou roteirista de cinema no país), A representatividade de atores negros também é baixa, são 14% de atores e 4% de atrizes no Brasil.
O mesmo cenário se repete na televisão. Pesquisadores do tema, como Joel Zito Araújo, sugerem que 5 elementos centrais da representação negra na TV: 1) através de estereótipos negativos, 2) invisibilizando ações positivas de personagens negras, 3) tratando a cultura negra como folclore, 4) representando o negro como elemento de entretenimento para os brancos, e 5) reforçando o estereotipo a apresentação do negro pobre e favelado.
Outra pesquisa, do Manchetômetro, publicada em novembro de 2019, demosntra que o três principais jornais impressos do Brasil têm 96% de colunistas brancos, dos quais 68% são homens, escrevendo regularmente para os seus veículos. A participação de colunistas negros nesses veículos oscila entre 2% e 10% e eles praticamente não escrevem sobre temas considerados mais nobres, como economia e política. Embora a pesquisa não revele, vale a pena se perguntar: quantos desses colunistas negros são remunerados pelo seu trabalho? O valor que recebem é comparável ao dos colunistas brancos? Mesmo sem essas respostas é possível perceber uma desconexão entre um discurso vazio que, na superfície, defende a pluralidade e diversidade e a ausência de medidas institucionais que promovam, efetivamente, a ampliação do círculo de indivíduos com direito a voz no seio da sociedade.
Por fim, pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil revela que a maioria dos profissionais negros ocupa postos de aprendiz e trainee (57% e 58% respectivamente). Profissionais negros ocupam apenas 6,3% dos postos de gerência e são apenas 4,7% dos executivos.
Os dados que apresentei acima sugerem que os níveis de diversidade e inclusão são baixíssimos no Brasil. Tal negligência é um erro crasso do ponto de vista econômico, pois pesquisa realizada em 2015 pela empresa de consultoria McKinsey & Company com 366 companhias, de todas as áreas, no Canadá, América Latina, Reino Unido e Estados Unidos concluiu que empresas com maior diversidade racial têm 35% mais chances de performar financeiramente acima da média nacional do que empresas com menor diversidade.
Há ainda equívocos de toda sorte na tentativa de promover diversidade que acabam ferindo e desvirtuando os propósitos de tais ações. O erro mais frequente é simplesmente recrutar uma pequena quantidade de mulheres e e/ou pessoas racializadas para ocupar posições-chave na instituição e permanecer atuando normalmente como se nada tivesse acontecido. Instituições que agem assim incorrem na falácia da assumir que diversidade inclui automaticamente inclusão. E, ao fazer isso, ignoram que práticas racistas, sexistas, lgbtfóbicas, entre outras, são estruturais e estão presentes em todos os níveis organizacionais e só podem ser alterados por via de uma revisão completa da cultura organizacional. Ademais, a inclusão de profissionais meramente para preencher a caixinha da diversidade pode submetê-los a um ambiente inóspito e levá-los a performar aquém de suas habilidades. Alguns profissionais chegam a sofrer de crises de ansiedade e depressão por não darem conta de expectativas tão elevadas com pouco recurso, financeiro e simbólico, para trabalhar.
O segundo equívoco mais comum é considerar que atividades de treinamento para a diversidade, realizados usualmente uma vez por ano, são suficientes. Uma indústria lucrativa foi construída por trás desses treinamentos e workshop. A má notícia é que eles não funcionam. As versões iniciais desse tipo de treinamento consistiam em tentar explicitar microagressões no ambiente de trabalho e depois passaram a investigar também as barreiras sistêmicas que impedem pessoas pertencentes a certos grupos sociais de obterem tratamento justo e isonômico no trabalho. Porém, pouco ou nada é feito para além das palestras/treinamentos e as denúncias de assédio moral, assédio sexual, preterimento na hora da promoção, racismo etc. continuam sendo ignoradas pela direção da organização ao longo do ano.
O terceiro equívoco bastante comum é recrutar pessoas simplesmente para preencher a caixinha da diversidade sem lhes recompensar pelo trabalho. No início deste texto fiz uma pergunta sobre o pagamento oferecido aos profissionais negros chamados a contribuir para veículos de imprensa. A dura verdade é que a maioria dessas pessoas é chamada a atuar voluntariamente. Esse é só um exemplo, entre inúmeras situações de desrespeito a expertise profissional de mulheres, negros e LGBTs com a desculpa de que elas estão sendo convidadas a trabalhar gratuitamente por uma boa causa ou porque a organização não dispõe de recursos para recompensar tal tipo de atividade.
Ao fazer esse tipo de proposta, a instituição coloca o profissional diante de um dilema insolúvel. Se aceita, sabe que está contribuindo para que a organização lucre ou melhore sua reputação pública às custas do seu trabalho gratuito. Se recusa, corre o risco de ser considerado egoísta ou ganancioso por interpor demandas financeiras em troca de contribuir para uma causa justa. Sem contar o receio de que o posto seja ofertado a alguém sem qualquer qualificação ou habilidade para lidar com determinados temas, apenas porque a pessoa se encaixa no perfil de diversidade desejado pela instituição.
Reduzir as pessoas às suas identidades é outro erro comum nas tentativas de se garantir maior diversidade, particularmente nos meios de comunicação. Nesse caso, cria-se uma confusão entre falar de si e falar A PARTIR de si. Todos nós falamos a partir de um lugar social que informa nossa percepção do mundo. E, a partir desse lugar, é possível que falemos sobre absolutamente qualquer coisa, com maior ou menor competência. O erro é esperar que negros só falem sobre racismo, mulheres sobre sexismo, pessoas trans sobre trasnfobia e assim por diante. Esse tipo de prática, bastante comum, enclausura e limita as pessoas a falar apenas sobre si e libera os demais indivíduos para se eximir de debater temas centrais da sociedade, como racismo, sexismo, LGBtfobia com a desculpa de que não têm “lugar de fala”.
Todos esses erros transformam diversidade em tokenismo e destroem seu potencial transformador. Mas nada exemplifica mais o tokenismo como a prática que grandes veículos de comunicação fazem de selecionar apenas alguns indivíduos desses grupos racializados ou subalternizados para atuar como porta-vozes de todos os demais. Ano passado, em decorrência das manifestações antirracistas, a opinião pública pressionou para que os noticiários e programas de debate político da TV ficassem mais diversos. Desde então observamos uma maior presença de negros nesses espaços. Entretanto, são sempre as mesmas pessoas, todas do Sudeste, falando sobre todo tipo de assunto quase todos os dias. O clamor das ruas por mais diversidade foi, aos poucos, colonizado por esses veículos que acreditam que um único negro, uma única mulher negra, uma única pessoa trans pode falar em nome de todos os negros, todas as mulheres e todas as pessoas trans. Seguir achando que esses grupos são uma massa amorfa, sem conflitos e divergências internas, opera no sentido oposto de ampliação da diversidade e inclusão. Ao explicitar esses erros espero que, coletivamente, passemos a empreender esforços passo para superá-los.