Jair Bolsonaro teve o desemprenho esperado na abertura da Assembleia Geral da ONU. Foi o pior discurso de um presidente brasileiro desde 1982, quando João Figueiredo lá esteve. É conhecida a dificuldade de Bolsonaro para a leitura de um simples documento. Pior ficou quando teve de ler um discurso ao longo de intermináveis 33 minutos. O resultado foi desastroso. Se a imagem do Brasil já era ruim, após o libelo a situação piorou ainda mais. Caminhamos celeremente para ser um Estado pária na comunidade internacional.
Iniciou sua fala destacando que o Brasil estava próximo ao socialismo. E ele nos salvou. Houve a socialização dos meios de produção, partido único, eleições meramente homologatórias, censura aos meios de comunicação? Os bancos foram estatizados pelo PT? A Constituição de 1988 é socialista? Ao menos poderia indicar um artigo? De que país estava falando?
Logo resolveu identificar um inimigo do Brasil. Para ele, o muro de Berlim ainda não caiu. O 9 de novembro de 1989 é uma mera ficção. Perdeu vários minutos atacando Cuba, como se a ilha caribenha tivesse algum papel na cena política mundial ou fosse uma perigosa ameaça ao nosso país. Falou até, implicitamente, das ditaduras do Cone Sul. Pior: elogiou os regimes genocidas, algo único na história da ONU, especialmente numa assembleia geral. Assim, violou a nossa Constituição, no mínimo, no artigo 4º, II, que determina às nossas relações internacionais seguirem diversos princípios, entre os quais a “prevalência dos direitos humanos.” Em seguida, mirou a Venezuela e ironizou a grave crise que atinge o país. Quis politizar – sempre falando em socialismo – a terrível conjuntura que levou à emigração de milhões de venezuelanos, a maioria deles, registre-se, dirigindo-se à Colômbia. Seguindo as determinações do seu guru – um dos autores intelectuais do pronunciamento, juntamente com Steve Bannon – atacou o Foro de São Paulo para assombro dos assistentes, que desconhecem tal organização.
Depois de vários minutos, a cantilena chegou à Amazônia. Era o que todos esperavam. Os mais otimistas previam que ele poderia construir uma fala propositiva e conciliadora, buscando retomar os contatos, principalmente com a Europa, tendo em vista a importância econômica do continente e a necessidade de ser ratificado o acordo com a União Europeia. Ledo engano. Atacou diversas vezes a França, apresentou dados incorretos sobre a Amazônia, transformou a imprensa em inimiga do Brasil e desenterrou um nacionalismo que se choca frontalmente com as ações do seu governo. Subitamente, mirou sua metralhadora para o cacique Raoni. Transformou o célebre líder indígena de 89 anos em agente do colonialismo. E contrapôs uma nativa, representante de uma organização desconhecida, até aquele momento, dos brasileiros. Mais ainda: leu uma patética carta de bolsominions de cocar. Com ar satisfeito, proclamou que o monopólio de Raoni tinha acabado. A plateia assistia a tudo atônita. O silêncio – constrangido – tomou conta do salão.
Insistiu no tema da soberania quanto esta questão não estava sendo questionada. Não custa lembrar que da área da Amazônia o Brasil ocupa cerca de 60%. Ou seja, sua preservação interessa também a outros países. Não apresentou nenhum programa de conservação da região. Poderia ter recordado os êxitos obtidos desde os anos 1990 e, também, a realização da Rio-92, o maior encontro de chefes de Estado da história, até aquela data. Mas não. Para ele, a história começou a partir de 1º de janeiro de 2019. E, mais uma vez, a intolerância cegou Bolsonaro.
Subitamente – demonstrando mais uma vez a desconexão intrínseca ao discurso – resolver atacar a própria assembleia geral que teria aplaudido os presidentes anteriores. Outra vez, o espanto tomou conta da plateia. Rapidamente, desviou a oração para falar da diminuição dos homicídios e elogiar os policiais. Depois de falar dos milhares de mortos, convidou o mundo a visitar o Brasil. Seria cômico se não fosse trágico.
A geleia geral continuou. Dissertou confusamente sobre as perseguições religiosas. Propôs até um dia internacional sobre o tema. Em seguida, atacou o que ele chama de ideologia. Disse que ela se instalou na cultura, educação, imprensa e até na família. Quando parecia que finalmente falaria como chefe de Estado e não de uma seita, Bolsonaro resolveu lembrar que sofreu um cruel atentado perpetrado por um militante de esquerda – novamente o socialismo esteve presente, além do que, a bem da verdade, Adélio Bispo não participava de nenhuma organização política. Sugeriu até que a ONU combatesse o materialismo!!! E depois de tanto ódio e violência, encerrou citando a Bíblia (!?). Assim, aprofundou o isolamento político e diplomático do Brasil. A repercussão na imprensa internacional foi péssima. Os investidores demonstraram preocupação. E teremos, infelizmente, repercussões negativas nas nossas exportações.