O termo “economia donut” foi cunhado pela economista britânica Kate Raworth (foto) em livro de mesmo nome, lançado em 2017 e traduzido no Brasil pela editora Zahar no ano passado. O conceito vem ganhando força nos debates sobre a reconstrução do mundo pós-COVID-19 e, na última semana, foi alvo de refletores quando as autoridades da capital holandesa, Amsterdã, anunciaram oficialmente que implementarão transformações a partir desse novo modelo econômico, de prosperidade em equilíbrio com o planeta. E que Raworth, hoje professora do Instituto da Mudança Ambiental da Universidade de Oxford, faz parte da equipe.
Para ela, a crise financeira permanente, a desigualdade extrema na distribuição da riqueza e a pressão implacável sobre o meio ambiente selam que o sistema econômico que rege as vidas no mundo está falido. A resposta seria uma drástica mudança de paradigma, que rompe com o mito do “homem econômico racional” (homo oeconomicus) à obsessão pelo crescimento ilimitado e ganho individual a qualquer custo. Sua proposta é um sistema no qual as necessidades de todos serão satisfeitas sem esgotar os recursos do planeta.
Nesse contexto, a curva de crescimento infinito do Produto Interno Bruto (PIB) é trocada por um círculo. Para ilustrar esse ponto de equilíbrio, Raworth apresenta o seu icônico desenho de “donut” – a clássica rosquinha, com seus limites internos e externos à atividade humana, buscando apontar os caminhos para permanecer no espaço do meio, seguro para a prosperidade.
No anel interno estão o acesso a água potável, alimentação, moradia, saúde, educação, renda, igualdade de gênero, justiça, voz política – é o mínimo necessário para levar uma “vida boa”, derivada dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e acordada pelos líderes mundiais de todas as faixas políticas. Qualquer pessoa que não atinja esses padrões mínimos está vivendo no buraco da massa.
O anel externo da rosquinha, para onde vão os granulados, representa o teto ecológico traçado pelos cientistas em relação ao planeta. Ele destaca os limites através dos quais a espécie humana não deve ir para evitar danos ao clima, solos, oceanos, camada de ozônio, água doce e biodiversidade abundante. Para Kate, a economia terá de se tornar regenerativa e circular, tendo um efeito positivo sobre as sociedades e o ambiente.
Entre os dois anéis está o ideal: a massa, onde as necessidades de todos e as do planeta estão sendo atendidas. “Uma economia saudável deve ser criada para prosperar, não crescer. Nada na natureza cresce para sempre”, diz a inglesa.
Nesse contexto, perde sentido o modo clássico como o desempenho econômico é medido, seja por meio do PIB ou crescimento da renda nacional. Importante ponderar que não haveria um único índice substituto, mas sim uma gama de indicadores sociais e ambientais, para além dos econômicos, a exemplo de métricas referentes a estabilidade do clima, saúde dos solos, acesso à água potável, saúde das pessoas, educação, habitação e distribuição de renda.
Para Kate, a economia cometeu um erro ao se tornar tão matemática. “Foi anos anos 1870, quando queriam fazer da economia uma ciência, imitando a física newtoniana: assim como um pêndulo é levado ao repouso pela gravidade, os mercados são levados ao equilíbrio pelos preços. É uma má analogia. A economia é uma relação entre seres humanos, não cabe numa equação”.
O progresso está no equilíbrio e não no crescimento – essa correção de rota “buga” o modelo mental de lideranças, empresários e cidadãos brasileiros.