Acerta o Banco Central (BC) ao não baixar a guarda em sua guerra contra a inflação. Depois de ter saído à frente das autoridades monetárias das maiores economias do mundo, que só agora apertam os cintos de suas políticas monetárias, o guardião de nossa moeda não se deixou enganar pelos bons resultados já obtidos. Em vez de conceder uma trégua, manteve o fogo da artilharia dos juros altos.
E não se trata de fogo brando. Afinal, a taxa básica de juros (Selic) de 13,75% ao ano, frente a uma inflação que tem declinado de 12,35% em abril para 8,73% em agosto e que tende a fechar o ano abaixo dos 6% (juro real acima de 7% ao ano), é alta o bastante para colocar o Brasil entre os países que praticam a política monetária mais apertada do mundo.
Foi pela manutenção da Selic elevada que a maioria dos membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC votou na última quarta-feira. É verdade que juros altos são uma festa para quem pode ganhar dinheiro com aplicações em renda fixa, mas isso não deve inibir decisões a favor do interesse coletivo, a começar pelo das pessoas mais pobres.
Ocorre que, mesmo depois de queda tão acentuada, a inflação continua alta no Brasil, fenômeno que, aliás, vem assolando economias mundo afora, nestes tempos de pós-pandemia e de guerra na Ucrânia.
Contudo, só porque países ricos, como os Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, estão com índices de preços iguais ou até mais elevados do que os nossos, não podemos nos dar por satisfeitos. Isso seria uma irresponsabilidade que, certamente, nos custaria muito caro.
A experiência de quem já enfrentou períodos de hiperinflação, com índices anuais superiores a 1000%, sugere que a disparada dos preços é um risco que não vale a pena correr. A inflação é mal que tende a se propagar como fogo morro acima ou água morro abaixo. Há que ser combatida com urgência e firmeza, antes que se torne incontrolável.
Em sua nota explicativa a respeito da decisão do Copom, o BC deixou claro que a interrupção da sequência de aumentos dos juros que vinha praticando desde abril de 2020 não deve ser entendida como o fim do combate à inflação. Tanto é assim que, no mesmo texto, a autoridade monetária informa que manterá elevada a taxa básica de juros “por período suficientemente prolongado” para assegurar a convergência da inflação e a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.
METAS MANTIDAS
A propósito, vale lembrar que as metas anuais a que se refere o comunicado do BC são fixadas com dois anos de antecedência pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para 2022, o centro da meta é de 3,50%, com teto de tolerância de 5% (dificilmente será cumprida). Para o ano que vem, a meta está mantida em 3,25%, com variação para baixo ou para cima de 1,5%.
É mais do que sabido que os efeitos da política monetária restritiva (juros altos destinados a inibir o consumo e reduzir a pressão sobre os preços) levam meses para ser sentidos. Tampouco se desconhece que as deflações que marcaram os meses de julho, agosto e parte de setembro refletiram o impacto direto do recente corte de impostos sobre combustíveis e eletricidade. Ou seja, não foi por aumento de oferta.
E como se trata de redução de custos que recaem sobre quase todas as cadeias de produção, será preciso observar por mais tempo o real comportamento dos demais preços. Para além das opiniões de “especialistas”, com ou sem viés político-eleitoral, ou dos que torcem para o “quanto pior, melhor”, há indicadores nacionais e internacionais a serem acompanhados em suas fontes primárias.
Um bom exemplo será divulgado ainda hoje pelo IBGE. Trata-se do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) 15, importante e confiável prévia da inflação mensal, medida a contar da metade do mês passado até a metade do mês atual.
TIRO NO PÉ
Em sua última edição, o IPCA-15 de agosto registrou queda de 0,73%, provocada pelo recuo dos preços dos combustíveis. Mas, ao mesmo tempo, os preços dos alimentos tiveram alta preocupante de 1,12%, assim como os itens de vestuário (+0,76%) e de saúde ( 0,81%). Portanto, o comportamento desses itens que pesam no orçamento da maioria da população brasileira será um indicador precioso do rumo que a inflação tende a seguir e da necessidade ou não de novos ajustes de curto prazo na política monetária.
No horizonte mais amplo da economia mundial, a mesma preocupação que tinha levado nosso Banco Central a inverter em 2020 sua política monetária (de estimulante para restritiva) está agitando os meios financeiros dos Estados Unidos. Também na última quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos americanos) aprovou mais uma elevação (a terceira do ano) de 75 pontos percentuais nas taxas básicas de juros locais.
Se isso não for suficiente para derrubar a maior inflação dos últimos 40 anos (entre 7% e 8%), novos aumentos virão, tornando os títulos públicos americanos mais atraentes às poupanças do mundo inteiro. Os demais países ficam então “obrigados” a também aumentar os juros para evitar a fuga de capitais. Baixar os juros do Brasil seria, agora, o tiro no pé que o BC, felizmente, deixou de dar.