Recentemente, tivemos mais uma turbulência acerca do tema "antes e depois" no marketing médico, com a publicação no dia 14/10 da sentença no Mandado de Segurança impetrado por uma cirurgiã plástica do DF, em face do CRM/MG e do CFM.
No caso, a médica pediu a anulação da alínea "g" do Art. 3º da Resolução CFM 1974/2011, que veda ao médico a exposição de seu paciente como forma de divulgação (mesmo com consentimento). Segundo ela, a regra vinha a impedindo de divulgar seu conhecimento especializado e o resultado de seu trabalho, na internet.
A sentença foi favorável, determinando a nulidade do dispositivo questionado. A repercussão foi imediata, gerando uma série de interpretações equivocadas por parte de médicos e advogados. Mas na verdade, a decisão não representa qualquer mudança nas regras ou no quadro atual (exceto para a própria médica), pelos motivos abaixo.
Em primeiro lugar, trata-se de uma decisão inter partes (que só gera efeitos às partes do processo) e de primeira instância (sujeita ao reexame pelo tribunal). Em segundo lugar, a decisão terá "vida curta" mesmo para a médica autora da ação, com base na dinâmica do processo (o tribunal que irá julgar o recurso é o mesmo que cassou a liminar deferida pelo juiz no início do processo, e a decisão dificilmente será diferente).
É importante lembrar ainda, que a sentença só tratou sobre a alínea "g" do Art. 3º da Resolução CFM 1974/2011, mas não modificou ou anulou o art. 75 do CEM (que traz a mesma vedação de uso de imagens dos pacientes) ou as demais disposições do código em relação às vedações de sensacionalismo, autopromoção e concorrência desleal, etc. Portanto, até mesmo para a autora da ação, a validade da decisão é questionável.
Ademais, trata-se de uma sentença vazia de conteúdo, que tratou de um tema altamente complexo, de forma rasa e abstrata. Sua pobre fundamentação dificilmente servirá de base para outros casos, pois a decisão não pode ser vista como jurisprudência (no máximo como uma referência para analogia).
A verdade é que no Brasil, uma decisão de primeira instância representa muito pouco. Diariamente são proferidas milhares de sentenças equivocadas, rasas, absurdas e até contrárias à lei. Dentre os nossos juízes de primeiro grau, temos inúmeros "justiceiros", que proferem decisões sustentadas em suas vagas opiniões e crenças pessoais, em detrimento do direito e das leis. E na nossa visão, é exatamente o caso da sentença em análise.
Não dizemos isto por concordar com vedações atuais do CFM sobre o uso de fotos, mas sim, por discordar da forma como o direito foi pleiteado pela médica neste caso. Não se modifica as regras do Código de Ética Médica, por meio de ações individuais. Os conselhos federais são autarquias que possuem legítimos poderes para praticar atos da administração pública, tendo a prerrogativa legal de regulamentar a atuação dos profissionais que pertencem à categoria. Tal prerrogativa é sustentada pela própria Constituição Federal. Nossas liberdades individuais e profissionais existem, mas dentro de seus limites legais.
Mas é incontroverso que o CFM precisa rever os seus conceitos, e se atualizar. A nossa sociedade evoluiu como nunca nas últimas décadas através da tecnologia, e a quarta revolução industrial afetou diretamente a forma como as pessoas se relacionam. Esta evolução interferiu diretamente na profissão do médico, e na relação deste com seus pacientes. Quem não se adaptar a estas mudanças tende a ficar pelo caminho da história, conforme preconiza a teoria darwinista.
As redes sociais já são o principal meio de comunicação das pessoas e organizações, e isso inclui os médicos e pacientes. Contudo, o CFM insiste em impor aos médicos uma visão "romântica" da medicina há muito superada, e um padrão de relação médico-paciente que não se adequa à realidade atual. Insiste em negar uma realidade clara, já aceita pela maior parte dos conselhos de outras profissões.
Embora a Resolução CFM 2.126/2015 represente algum avanço, seus parâmetros são ultrapassados em relação a algumas vedações, que foram concebidas em um contexto no qual a sociedade se comunicava de forma totalmente diferente dos padrões atuais. A comunicação atual (sobretudo nas redes sociais) possui como ponto focal as imagens, e não mais os textos escritos. Ainda assim, o CFM insiste em condenar o uso ético e consciente da imagem dos pacientes (como uma simples selfie no consultório).
Por mais nobre e diferenciada que seja, a medicina não deixa de ser uma profissão. E para os médicos, além de uma vocação e uma escolha de vida, continua sendo um negócio. E a desatualização das regras do CEM tem deixado os médicos em uma situação extremamente delicada.
Em primeiro lugar, em relação a diversos outros profissionais que tem adentrado na área de atuação dos médicos, com o aval de seus conselhos e toda a liberdade de publicidade. E em segundo lugar, em relação a outros médicos que ignoram as regras por completo, e fazem a publicidade de forma totalmente irregular.
Quando o CFM veta o uso de fotos de forma geral e irrestrita, ele cria um ambiente de irresignação geral da classe médica em relação à regra, o que acaba "normalizando" seu desatendimento. Com isso, embora muitos façam um uso consciente das fotos, outros aproveitam a "brecha" para fazer uma publicidade totalmente irregular, desatendendo a diversas outras vedações como o sensacionalismo, a autopromoção e a concorrência desleal, atentando contra os princípios da medicina e os direitos dos pacientes. E com isso, ofuscam a imagem daqueles profissionais que atuam dentro das regras atuais, à espera de uma atualização que o CFM insiste em não fazer.
As regras atuais desautorizam uma simples selfie com um paciente, realizada com consentimento, na recepção da clínica. Mas tratam de forma idêntica o uso de fotos e vídeos produzidos no bloco cirúrgico durante uma cirurgia, por uma equipe de filmagem profissional, que acompanha o ato médico para "geração de conteúdo" (e contaminam o ambiente cirúrgico, trazendo riscos aos pacientes).
Portanto, até as regras atuais sejam revistas, sugerimos aos médicos muita cautela com o marketing nas redes sociais. Ele pode ser ético, lícito e aceitável. Mas pode também ser antiético, ilegal e absurdo. Em muitos casos, o marketing médico irregular tem sido considerado promessa de resultado incerto, e causado condenações em ações judiciais que seriam plenamente evitáveis.
É essencial que se faça uma interpretação jurídica adequada das regras vigentes, à luz das recentes decisões dos conselhos federal e estaduais sobre o tema, para aprovação do material a ser utilizado nas redes sociais. Quem não faz esta avaliação, paga um alto preço pela negligência. E não nos referimos às penalidades em processos éticos, pois nos casos de marketing médico mal conduzido nas redes sociais, o processo ético tem sido o menor dos problemas.
A publicidade irregular (praticada por cada vez mais médicos) cria expectativas equivocadas aos pacientes, traz insatisfações com os resultados alcançados, e gera crises entre as partes, que via de regra terminam em processos judiciais. E a interpretação da justiça na análise destes casos é de condenar o médico, pouco importando a opinião do CFM. A análise é sobre os impactos junto ao paciente, e não necessariamente sobre a regularidade da conduta junto ao CFM.
Portanto, este assunto precisa ser discutido pela classe médica, e as regras atualizadas pelo CFM, pois o quadro atual é de prejuízo para todos os envolvidos: médicos, pacientes e a sociedade em geral. E o mais importante: esta discussão precisa acontecer pelos meios adequados, e não através de ações individuais, gerando decisões rasas e inférteis.
Até que isso ocorra, os médicos precisam agir com inteligência e medir seus passos no marketing médico, sobretudo nas redes sociais. Pois de fato existem muitos excessos no marketing de médicos nas redes sociais, e o resultado disso tem sido negativo para todos os envolvidos, em especial, para os próprios médicos.
Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país.
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