O Conselho Federal de Medicina - CFM anunciou através de seu presidente, Dr. José Hiran Gallo, a aprovação de uma Resolução com novas regras e limites éticos da publicidade médica. O anúncio gerou grandes expectativas, não só para a classe médica, mas para todo o mercado da saúde, que será diretamente impactado pelas mudanças.
A expectativa geral é de uma grande flexibilização das regras, inclusive com a liberação do uso das fotos de “antes e depois”. A ansiedade é maior entre os profissionais da medicina estética, área que sem dúvidas é a mais presente nas redes sociais. Segundo o último censo da SBCP, mais de 80% dos cirurgiões plásticos utilizam as redes sociais para a publicidade médica, e pelo menos 60% preferem o Instagram, uma rede social essencialmente visual.
Embora seja difícil prever o que será determinado pelo CFM, creio que teremos somente a modernização das regras para realidade atual, devido à evolução da medicina e da sociedade, impactadas pela tecnologia e pelas redes sociais. Quem espera uma revolução nas regras éticas e a liberação de condutas polêmicas, provavelmente irá se frustrar. Contudo, uma mera atualização não resolve o problema atual, pois as regras em vigor são amplas e subjetivas, criando margem para um contorcionismo interpretativo que nem sempre é feito de forma ética. Além da atualização, é preciso estabelecer critérios claros e objetivos para a publicidade médica.
A Resolução CFM 1974/2011, que traça as regras atualmente vigentes da publicidade médica, se limitou a instituir conceitos subjetivos e definições básicas sobre o tema, 12 anos atrás. Foi elaborada seguindo as diretrizes do antigo Código de Ética Médica (revogado em 2019). Um breve complemento às regras foi editado 8 anos atrás, através da Resolução CFM 2126/2015 que veio para ajustar as regras ao ambiente digital e às rede sociais, mas não o fez adequadamente. Em linhas gerais, proibiu expressamente o uso do “antes e depois”, condenou o compartilhamento reiterado de postagens de terceiros, e vedou até mesmo selfies com pacientes (proibição absurda, diga-se de passagem). Mas deixou de estabelecer critérios objetivos e específicos para as infrações, não cumprindo com sua função.
O novo Código de Ética Médica entrou em vigência em 2019, prometendo ajustes em função das inovações tecnológicas no setor da saúde, e o reforço das regras relativas à publicidade médica. O diploma reafirmou como princípio fundamental o impedimento do exercício da medicina como comércio. No art. 58 vedou o exercício mercantilista da medicina, e no art. 51 a concorrência desleal. No art. 37, § 2º formalizou a obrigatoriedade do uso ético das redes sociais. No art. 75 proibiu o uso de imagens de pacientes, mesmo mediante autorização. No art. 111, reafirmou o caráter informativo da publicidade médica. No art. 112 vedou o sensacionalismo. E no art. 115, proibiu a participação em anúncios comerciais.
É notável a convergência entre as diretrizes subjetivas do novo Código de Ética Médica, e as Resoluções atualmente em vigor. Portanto, não acreditamos ser coerente que a nova Resolução contrarie estas regras, cassando normas há pouco estabelecidas pelo CFM no novo Código de Ética Médica.
Contudo, é preciso reconhecer que o novo Código de Ética Médica não resolveu o problema, pois as vedações nele previstas continuam subjetivas e genéricas. Com isso, não proíbem expressamente algumas condutas antiéticas, mas vedam condutas claramente éticas e inofensivas, como o simples compartilhamento de uma selfie postada por um paciente, ou uma eventual postagem da imagem de um paciente e seu caso clínico nas redes sociais, o que pode ser ético e cumprir com a função informativa.
A proibição genérica e ampla de condutas claramente éticas causou a rejeição às regras vigentes por grande parte da classe médica, normalizando seu reiterado desatendimento. Contudo, muitos profissionais aproveitaram este efeito manada para praticar as mesmas condutas, mas de forma antiética e mercantilista. E como as normas não diferenciam adequadamente as condutas, o desatendimento às regras acabou se tornando “a regra”.
Dificilmente veremos a liberação das fotos de “antes e depois” pelo CFM, pois sua proibição possui base sólida em diversos princípios éticos, e flexibilizar a ética em relação a condutas tão sensíveis é um grande risco. A atuação dos profissionais precisa se ajustar aos critérios éticos, e não o contrário. A publicidade médica deve ser ética e informativa, precisa ser leal ao paciente, para que o médico não precise o convencer do contrário do que diz a publicidade, ao recebê-lo no consultório.
Contudo, é preciso reconhecer que o uso do “antes e depois” é um excelente recurso para a publicidade médica, quando utilizado com ética e finalidade informativa. O comparativo das fotos é uma excelente forma de demonstrar ao paciente as possibilidades e os resultados (bons ou ruins) abordando visualmente diferentes evoluções clínicas. Mas infelizmente, o mal comportamento de alguns reforça a vedação da prática a todos, o que dificilmente será revisto pelo CFM.
Independente da orientação do CFM as fotos seguem sendo largamente utilizadas, muitas vezes de maneira antiética visando a atração de pacientes em abordagens sem qualquer caráter informativo, totalmente mercantilistas. Segundo o CREMESP, a especialidade médica com maior número de sindicâncias instauradas por problemas na publicidade médica em 2022, com 30% do total, foi a Cirurgia Plástica. Por estes motivos, acreditamos ser mais factível que o CFM mantenha a atual posição.
O uso antiético da publicidade médica nas redes sociais é o motivo graves consequências que afetam a toda a classe médica no Poder Judiciário, conforme abordado no artigo científico que apresentei no último dia 04/08, no Congresso Mundial de Direito Médico realizado pela World Association for Medical Law em Vilnius/Lituânia, intitulado A Publicidade Médica nas Redes Sociais, e sua Influência na Responsabilidade Civil.
Neste sentido, não podemos esquecer que o principal norte da publicidade médica é a ÉTICA, independente da eventual desatualização das regras vigentes. Conforme abordado nesta coluna há pouco mais de 1 ano, no artigo Médicos e Influencers: uma questão de ética, as redes sociais são um ambiente mais do que adequado para a Publicidade Médica, e o papel de influenciar a sociedade neste campo é do próprio médico, sem sombra de dúvidas. Contudo, este processo informacional deve ser conduzido com ética e foco na saúde do paciente.
Contudo, cabe ao CFM delimitar estas regras com clareza e objetividade, para que os médicos não tenham dúvidas (ou desculpas) entre escolher o caminho da ética, ou das infrações. É preciso dar crédito ao CFM por finalmente enfrentar este tema, sinalizando o abandono da “visão romântica” da medicina imposta aos médicos através das regras atuais, que não se encaixam na era da saúde digital, da quarta revolução industrial e das redes sociais. Cobramos do CFM mudanças nas regras no final de 2022, através do artigo Fotos de antes e depois: mudanças na publicidade médica, e aparentemente, todos os interessados no tema podem ser finalmente atendidos.
Embora o teor das mudanças ainda não tenha sido divulgado, parabenizo desde já o CFM e a Comissão Nacional de Divulgação de Assuntos Médicos - CODAME pela iniciativa. Confio que as atualizações serão assertivas, e certamente traremos nossa crítica neste espaço, assim que forem divulgadas.
Por fim, aproveito para parabenizar o grande amigo Dr. Alexandre Kataoka, recentemente eleito Conselheiro do CREMESP com uma expressiva votação. Grande profissional, íntimo do assunto abordado nesta coluna, certamente seguirá fazendo um grande trabalho em defesa da ética na medicina, em São Paulo e em todo o Brasil.