"A potência do seu trabalho está na maneira como conseguiu reelaborar esse núcleo-duro numa infinidade de novas possibilidades, impondo um movimento incessante de reescrita e recriação"
Dona de uma obra incisiva, ateve-se a uma gama limitada e quase circular de temas: morte, medo, noite, silêncio, amor. A potência do seu trabalho está na maneira como conseguiu reelaborar esse núcleo-duro numa infinidade de novas possibilidades, impondo um movimento incessante de reescrita e recriação.
Adília Lopes, poeta contemporânea portuguesa, é a outra voz que se destaca e faz a interlocução inaugural com os poemas de “Os corpos e os dias”. Aliás, Adília Lopes é o nome inventado por Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, portuguesa nascida em Lisboa, estudante de física, desiludida pela gravidade, para dar vida à sua persona poeta.
Adília vem ao mundo em 1983, segundo sua criadora, e assume a faceta da sobrevivente: o corpo modificado pelos remédios, a procura jocosa e dolorosa por um namorado, a solidão naturalizada nos exercícios poéticos de aceitação.
Há uma construção textual que me parece muito similar nas duas autoras. Um poema que não parece poema, que quebra com um certo acordo lírico e desnuda sua própria estratégia no rompimento do pacto com quem lê. Não é confortável, embora pareça muito acessível.
"O incômodo se dá pelo que repetidamente nos move do confortável lugar de entendimento. Frases curtas, alternadas com vazios, entrecortadas por registros narrativos; pequenos roteiros de um instante"
A poesia de Adília não se entrega nunca numa primeira leitura. Há que se voltar muitas vezes para encampar a real dimensão dos seus recursos profundamente sofisticados de entrelaçamento entre ficção e dados biográficos. Não é uma poeta de silêncios, mas de vozes transversais e emuladas que, de tão presentes, tão gritantes, quase nos impedem de ouvir.
e de repente
por uma limitação severa
é novamente possível dizer algo bem simples
o castelo é amarelo
há um jardim há um lago
(ERBER, 2008, p. 15)
(ERBER, 2008, p. 15)
E tantas vezes volto ao silêncio de cada intervalo de fôlego, perseguindo vozes, vultos e formas. Volto ao futuro presentificado; o eterno retorno que se realizaria no particípio feminino. “Uma mulher-kaputt” (o alemão é a parte mais fácil aqui), que recolhe o próprio estrago por não saber o que fazer com ele.