“Não foi bem assim, Aureliano, eu estava lá”, corrigia Rondon Pacheco, o futuro governador de Minas entre 1971 e 1975, em plena ditadura militar. Quem ouvia com atenção um pedaço importante da história do Brasil era apenas um jovem repórter do jornal. E como ela sempre passa por Minas Gerais, alguns detalhes de anos atrás eram revelados. Um dos detalhes mais importantes que relatou foi o fato de, no cargo de chefe de gabinete do general Costa e Silva, Rondon o convenceu a não fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), como pretendiam os militares mais radicais. O então vice-presidente Pedro Aleixo, um dos fundadores do Estado de Minas, fez importante defesa do tom ponderado, o que seria fatal para ele, diante do endurecimento do regime no pós-1968. O cardápio político ou histórico, faça a sua escolha, ficou bem salgado diante do veto, já no ano seguinte. Pedro Aleixo foi vetado porque a Junta Governativa Provisória de 1969 endureceu a ditadura e impediu que assumisse o cargo que era dele por direito. A história trata como problemas de saúde. Pode ser, mas é fato que, anos antes, depois de apoiar a ditadura de Getúlio Vargas e então no comando da Câmara dos Deputados, Pedro Aleixo se rebelou. O motivo, a supressão das liberdades. Se a bandeira de Minas Gerais traz o lema Libertas quae sera, nada a acrescentar é necessário. Melhor voltar a Rondon Pacheco. A conversa, embora parecesse uma aula, corria fácil. Afinal, eleito, pela Assembleia Legislativa, que fique claro, nada de eleição direta, Rondon deixou um legado importante. Esteve pessoalmente na Itália para conversas com Gianni Agnelli e o resultado delas foi a vinda da fábrica da Fiat para Minas Gerais com o intenso apoio do jornal. O resultado todo mundo conhece. Betim recebeu uma coleção de empresas que produziam peças para os carros da montadora. Efeito cascata que, até nos dias atuais, é tão importante para a economia mineira. Ainda tem Aureliano Chaves, que foi governador e renunciou para ser vice-presidente do general João Baptista Figueiredo. Ozanan Coelho entrou em seu lugar. Depois, é preciso deixar claro: “Que país é este?”. Calma, nada a ver com a música de Renato Russo, o saudoso roqueiro. Trata-se de Francelino Pereira, que apoiava o regime de militar. É dele a frase. “Que país é este, no qual as pessoas não confiam na firme vontade política do presidente da República de levar adiante a decisão amadurecida e consistente de dar continuidade à plena redemocratização?” Só que Geisel veio foi com a sua abertura lenta e gradual. Como o tempo passa, o tempo voa, melhor contar sobre alguns relatos do governador Hélio Garcia. Claro que é preciso tratar antes, mais especificamente sobre Tancredo Neves, o presidente da República que foi eleito, mas não governou o país. No meio do caminho da rampa do Palácio do Planalto havia uma diverticulite. Tancredo, o primeiro presidente da era pós-militar eleito, embora no Colégio Eleitoral, temia não assumir. Escondeu a doença que lhe seria fatal. De Tancredo, para este escriba, resta apenas a lembrança da Praça da Liberdade apinhada de gente diante de seu velório. A mesma praça em que, antes, ficava cercada por militares e por manifestantes pedindo Diretas Já!. Uma sala de aula no segundo andar do Icbeu, onde estudava inglês, foi esconderijo de um deles para escapar dos cassetetes. Em vão. A emenda Dante de Oliveira não passou no Congresso. Restou então a vitória de Tancredo sobre Paulo Maluf (PDS) no Colégio Eleitoral. “Já se sabia que Tancredo seria eleito por uma grande maioria. O que havia era uma grande tensão porque não se sabia como os setores linha-dura das Forças Armadas se comportariam”, relatava o então deputado estadual por São Paulo e hoje ministro das Relações Exteriores, o senador Aloysio Nunes Ferreira. Antes disso, no entanto, Tancredo deixou o governo de Minas nas mãos de Hélio Garcia, seu vice. Era singular o jeitão dele. Na inauguração do viaduto da Lagoinha, fez um “longo” discurso: “Prometi e cumpri. Teje inaugurado”. E ficou nisso. Afinal, ficar mesmo Hélio Garcia gostava era de ficar no Bar do Primo. Seus seguranças eram discretos enquanto ele tomava uísque com os companheiros de boemia. De dia! Então presidente da Assembleia Legislativa (ALMG), Agostinho Patrus se divertia relatando um encontro no Palácio das Mangabeiras. Lá chegando, Hélio Garcia fez um gesto com as mãos cobrando alguma coisa. Agostinho, sem saber do que se tratava, abriu os braços e fechou as duas mãos como se tudo já estava resolvido. O quê? Ninguém soube, ninguém viu. O que todo mundo sabe é que, em seus 90 anos, o jornal Estado de Minas é um livro de história, relatada com precisão, sempre em busca da verdade dos fatos, do exercício do bom jornalismo. Afinal, Tancredo Neves em seu discurso de posse como governador já deixava claro: “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade”. Belo Horizonte. Palácio da Liberdade. 15-3-1983. Nove décadas não representam apenas um compromisso com os leitores. Vão muito além, trazem o verdadeiro exercício da cidadania, o de informar com exatidão e comprometimento. É esse o papel histórico do jornal Estado de Minas para as futuras gerações.
"De Tancredo, para este escriba, resta apenas a lembrança da Praça da Liberdade apinhada de gente diante de seu velório"
90 ANOS