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Estado de Minas ENTREVISTA/CLÁUDIO SHIKIDA

"Bons valores de uma sociedade contribuem para criar mercados fortes", diz pesquisador


postado em 12/06/2011 08:39

"Na área econômica, necessariamente não preciso responder apenas a perguntas sobre inflação, moeda e taxa de câmbio.” É assim que Cláudio Shikida, pesquisador e professor do Ibmec-MG, começa a entrevista, deixando claro seu apreço pela economia aplicada. Em seu mais recente estudo sobre o assunto, “Why some states fail: the role of culture” (Por que alguns Estados falham: o papel da cultura, em tradução livre), desenvolvido com os economistas Ari Francisco Araújo Jr. e Pedro Sant'Anna, constata-se que a cultura de uma sociedade contribui para governos mais eficientes. Valores como respeito, tolerância, confiança e obediência foram usados como variáveis na pesquisa para analisar os impactos de instituições formais (governos e seus tipos) e informais (costumes) na economia. "Essa cultura que pesquisamos tem impacto muito positivo sobre o crescimento econômico. Uma sociedade com mais tolerância e respeito ao trabalho alheio é sinal de um Estado saudável, que não é obeso", resume. O estudo analisou dados de 40 países e foi publicado recentemente na Cato Journal, uma das referências acadêmicas nas áreas de economia e política. Para Shikida, a posição do Brasil não é confortável. “Ainda estamos longe de ser um Estado eficiente. O governo come muito dinheiro e cospe pouco serviço público de qualidade.”

O senhor poderia detalhar como é essa pesquisa que mede a influência da cultura na qualidade dos governos?
Queríamos fazer uma pergunta: será que a cultura é um fator importante na economia? Se é, nesse caso específico, melhora ou piora a qualidade dos governos? Na literatura econômica há um grande debate sobre a importância das instituições sobre o desenvolvimento. As instituições geralmente são entendidas como formais, ou seja, a forma de governo de um país. Não tínhamos uma variável para medir instituições informais, que são os costumes de uma sociedade. A partir de 2005 é que se começou a medir valores da sociedade. Pegamos uma variável construída por Claudia Williamson (economista americana)para analisar vários países e observar se essa medida influenciava na qualidade dos governos, controlado também por outros fatores que são importantes.

E qual foi a conclusão do estudo?
Quando se faz o trabalho econométrico do que influencia de fato a qualidade do Estado, o gasto do governo não é importante, o crescimento do PIB não é tão importante, as instituições formais não são tão importantes. Já educação e a cultura, tal como medimos, são importantes. E nesse sentido, quanto maior o país está nesse indicador de cultura, melhor a qualidade do governo. O estudo analisou dados de 40 países. A cultura é uma medida que foi construída com quatro variáveis: controle, respeito, confiança e obediência. A variável obediência, que é vista como obediência incondicional, entra negativamente no indicador de cultura. Já a confiança, o respeito e a tolerância às pessoas entram positivamente. Essas quatro medidas – soma de três, menos a obediência – são substrato muito bom para que uma sociedade tenha respeito pelo trabalho dos outros, tolerância e muita troca econômica. Então, nesse sentido, o resultado na pesquisa é um Estado com qualidade melhor. Isso quer dizer Estados que não tributam excessivamente, que vão tributar de uma forma mais eficiente possível e, por outro lado, oferecer serviços públicos eficientes, de boa qualidade.

E como está o Brasil no ranking onde as instituições informais são mais fortes?
Nessas medidas, o Brasil está sempre no meio. No Índice de Falha dos Estados, publicado pelo Fund for Pace, o Brasil alcançou 66,9 pontos e ocupa a 117ª posição. Nesse indicador, quanto mais próximo do primeiro lugar, mais o risco de o Estado falhar. Para ter ideia, o Iraque está em primeiro lugar e o Sudão, em segundo. Nosso resultado é, quanto melhor a cultura da sociedade, melhor a qualidade do governo, ou seja, menos falido ele é. Na verdade, pelo lado da cultura, os países europeus estão sempre no alto do ranking. O Brasil está no meio do caminho. Posso afirmar que temos valores de tolerância bons e de respeito razoáveis porque quando a gente olha o que está acontecendo no país hoje não vê as pessoas se indignando com os excessos de políticos que, querendo ou não, fazem parte do governo. As pessoas não saem mais às ruas, como na década de 90. Tiramos um presidente (Collor) de maneira democrática, via Congresso. Atualmente, observamos casos de corrupção envolvendo valores até maiores, mas as pessoas não estão mais saindo às ruas, os sindicatos parecem estar anestesiados, não tem mais revolta popular. Parece que estamos mais tolerantes com a corrupção do que deveríamos estar.

Mas houve avanços ou não?
Em termos de qualidade do Estado, temos um governo que melhorou muito depois do Plano Real no sentido de combater inflação e se preocupar em regular o mercado de uma maneira eficiente, de combater excessos, como poder de monopólio. E melhorou no governo Lula com o foco no combate à pobreza. Mas agora não se pode afirmar que o Estado está tão eficiente assim nessas duas dimensões. Porque uma coisa é dar Bolsa- Família e a outra é dar e avisar para o sujeito que uma hora isso vai acabar, que ele tem que ir melhorando de vida. O Estado brasileiro tem arrecadação muito alta comparado com qualquer país europeu e qualidade de serviço público muito baixa. Está longe de ser um Estado eficiente. Ele come muito dinheiro e cospe pouco bem público e serviço público de qualidade.

A educação na economia é lida como capital humano e agora até o setor produtivo reclama da falta de mão de obra qualificada. Isso pesa para que não tenhamos um governo mais eficiente?
Com certeza. A média de anos de estudo no Brasil é muito baixa. Mas os valores aqui também são muito importantes. Não adianta o cara ter uma educação excelente, ser Ph.D., mas achar que o dinheiro público, dos impostos, é dinheiro dele. Não adianta o cara ser um grande industrial e achar ainda que alguns cidadãos são de segunda categoria. Uma sociedade mais aberta, nesse sentido de tolerância e respeito ao trabalho alheio, não é sinônimo de um Estado fraco, é sinal de um Estado saudável, que não é obeso.

Mas a sociedade tem a sua parcela de participação?
A sociedade brasileira de maneira geral se comporta como o Estado sendo essencialmente paternalista. Se o governo já é ineficiente, dar a ele a responsabilidade para mudar valores é como botar a raposa na frente do galinheiro, é perigoso. Quando se há cultura mais forte, há governos menos paternalistas. E isso impacta na economia, com mais crescimento e menos apelo populista. Ou melhoramos os valores da nossa sociedade ou vamos ter um crescimento econômico de muita má qualidade ou pior do que existe hoje.


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