Mais de 50% de todos os gastos dos mineiros com assistência médica são direcionados ao custeio de remédios. Para aliviar a carga que os medicamentos têm no orçamento familiar, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) elaborou proposta para que os planos de saúde cubram as despesas com remédios para uso domiciliar de pacientes com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Hoje, as operadoras só têm obrigação de fornecer remédios durante o período de internação. Assim que o paciente sai do hospital, passa a arcar com a aquisição dos medicamentos prescritos por conta própria. Além do alívio no bolso, a medida facilitaria a continuidade do tratamento e diminuiria a necessidade de novas internações para casos de diabetes, asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão arterial, insuficiência coronariana e insuficiência cardíaca congestiva, previstas para integrar o rol de doenças contempladas. A oferta de medicação domiciliar é parte do eixo assistência farmacêutica da agenda regulatória da ANS.
A proposta de resolução normativa está em fase de consulta pública e recebe colaboração da sociedade até 3 de outubro. De antemão, os consumidores devem ter consciência de que a normativa não terá caráter obrigatório, ficando a cargo dos planos de saúde aderir ou não. “A norma é facultativa tanto para adesão dos planos quanto dos beneficiários”, explica a gerente-geral de regulação assistencial da ANS, Marta Oliveira. Benefícios, financeiros ou não, estão sendo estudados para estimular a adesão das operadoras. “Hoje já trabalhamos com normas que chamamos de indutivas. Elas funcionam a partir de alguns incentivos fornecidos pela agência”, explica.
A impossibilidade de obrigar a adesão parte da própria Lei 9.656/98 que limita a responsabilidade de custeio de medicamentos pelos planos ao regime de internação e a outras particularidades (veja quadro). A advogada Tatiana Lobato dos Santos sabe como ninguém o peso da lei. Acometida por um AVC isquêmico transitório, ficou internada 13 dias, durante os quais tomou vários remédios pagos pelo plano de saúde. Quando saiu, teria duas opções: ou tomar um remédio diariamente com custo de R$ 25 a cartela – o que a obrigaria a retornar ao hospital a cada 15 dias para novo controle de coagulação do sangue – ou pagar R$ 300 por um único comprido que deveria tomar a cada mês.
“É um custo muito alto. Apesar de o medicamento mais caro garantir uma segurança maior, acabei optando pelo mais barato, já que não teria qualquer ressarcimento dos valores pagos”, explica. A opção coloca em risco seu bem-estar, agravado pelo fato de ela não fazer o controle regular do sangue. “Se o meu remédio entrasse na lista dos planos, seria a primeira a aderir”, garante. Isso porque contar com o serviço público pode se tornar uma prova de fogo. Em 2009, o governo financiou apenas 10,1% de todos os gastos com medicamentos naquele ano, que totalizaram R$ 62,5 bilhões em todo o país.
Por parte das operadoras, a cobertura de assistência farmacêutica hospitalar pode ser oferecida por liberalidade – já considerada pouco provável diante dos altos custos do serviço – ou a partir da comercialização de um contrato acessório. Essa última deve ser a alternativa mais utilizada entre as empresas que optarem por aderir à resolução normativa da ANS. O que significa que a medida não sairá de graça para os usuários, que deverão pagar pelo aditivo.
Complementar
“ A empresa pode acoplar como um plano de medicamentos em contrato acessório que não afetará diretamente o contrato de saúde já firmado com o cliente”, explica José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos empresariais, responsáveis por 36,6% dos beneficiários. Mas ainda não é possível avaliar qual será o grau de interesse das operadoras em oferecer o novo produto. “Se vão fazer, ou como vai ser feito, depende da estratégia de cada empresa. A princípio, não é possível falar se os benefícios que devem ser oferecidos pela ANS serão atrativos, já que ainda não foram definidos”, afirma Cechin.
A diretora-executiva da Proteste Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, reconhece que o consumidor fatalmente arcará com o custos adicionais. Mas é fundamental buscar informações. “É preciso que os usuários analisem como terão acesso a essa assistência farmacêutica, forma de adesão, a que custo e quais tipos de planos contarão com o serviço”, orienta Maria Inês. Carência e lista dos remédios de uso contínuo que serão oferecidos também devem integrar a pesquisa dos usuários.
Canal de relacionamento
‘A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quer criar ouvidorias vinculadas às estruturas organizacionais das operadoras de planos de saúde. De acordo com a ANS, o objetivo da medida é criar um canal de relacionamento da empresa com os beneficiários e permitir a melhoria na mediação de conflitos. Dessa forma, seriam reduzidos o número de casos levados à Justiça, além de agilizar a solução de problemas. A proposta também está em consulta pública pela agência reguladora e segue aberta para contribuições até 18 de outubro.
Internações também
O principal objetivo para oferta de medicamentos de uso domiciliar, que seria a redução de novas internações e corte de custos com assistência a saúde, pode não ser cumprida. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Saúde Complementar (IESS), com base na experiência norte-americana, revela que “não há evidências de que o seguro para cobertura de medicamentos reduza as despesas totais com saúde.” Lá, os seguros para a cobertura de medicamentos representaram cerca de 42% de todos os gastos com remédios em 2008. Os setor público e as famílias contribuíram com 37% e 21%, respectivamente.
O levantamento apresentado ao grupo técnico responsável pela elaboração da proposta de Resolução Normativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – composto por 60 integrantes de órgãos de defesa do consumidor e planos de saúde – mostra que os custos do seguro de medicamentos nos Estados Unidos continuam crescendo acima dos demais gastos com saúde. Para se ter uma ideia, entre 1996 e 2008, os gastos com remédios naquele país cresceram 284%, enquanto as despesas com atendimento hospitalar e ambulatorial subiram 111% e 125% , respectivamente.
Para José Ceschin, diretor-executivo da Fenasaúde, que representa 15 grupos empresariais, o consumo de medicamentos cresceu consideravelmente. “O que acarretará na expansão dos custos do plano acessório de medicamentos ao longo do tempo”, avalia.
Relevância
As operadoras reconhecem a importância da discussão. Em nota, a operadora Amil afirmou que a consulta pública em andamento é um “tema da maior relevância com desejo de todos para sua viabilização.” A Unimed, por sua vez, informou que constituiu uma comissão para avaliar a proposta. “A Unimed-BH tem prazo até 3 de outubro para enviar suas considerações à agência. Importante observar que toda ampliação de cobertura assistencial, ainda que importante para o cliente, representa aumento de custos”, afirma.