Nem o câmbio, nem o custo Brasil. Além dos efeitos da crise mundial, boa parte das 585 empresas brasileiras que deixaram de exportar entre janeiro e setembro, conforme levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), foi vítima da falta de preparo e de estrutura para enfrentar a disputa no mercado internacional. Experiências frustradas ou mesmo a dificuldade de cruzar a fronteira brasileira e manter negócios num mercado implacável nas exigências de qualidade e prazos de entrega derrubam, inclusive, o valor de um produto com potencial. Na tentativa de driblar a estatística perversa e que tem persistido desde 2008, instituições como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e o Instituto Centro Cape, braço do Mãos de Minas, maior central de cooperativas de artesãos de Minas Gerais, ampliam programas de qualificação de micro e pequenas empresas.
A própria AEB discute com parceiros do setor industrial propostas para apoiar esse segmento mais frágil da economia exportadora. Desde 2009, quando criou, com esse objetivo, o Projeto Extensão Industrial Exportadora (Peiex), a Apex-Brasil atendeu 10.500 candidatas a exportadoras de pequeno a médio porte, oferecendo consultoria gratuita de gestão, controles financeiros, processos eficientes de produção e formação de gente qualificada. A instituição tem 32 núcleos operacionais em 12 estados e no Distrito Federal e escolheu Minas Gerais para fortalecer a iniciativa.
Outros três núcleos do Peiex serão abertos entre março e abril de 2013 em Minas, contemplando empresas de Muriaé, na Zona da Mata mineira, São João del-Rei, na Região Central do estado, e Teófilo Otoni, no Vale do Jequitinhonha. Eles vão se juntar aos seis pontos de atendimento em terras mineiras, onde foram beneficiadas 1.900 empresas, em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Estudo feito pelo IEL identificou demanda para a formação de 15 núcleos do programa.
Minas tem sido o estado mais beneficiado com a política da Apex-Brasil, segundo o coordenador do Peiex, Tiago Terra. Os recursos destinados ao programa vão chegar a R$ 6 milhões até o fim do ano que vem, com a meta de atendimento de 2.800 empresas, em razão da extensão territorial e da vocação mineira para as exportações. Os planos serão conduzidos a despeito dos efeitos da crise na Europa e nos Estados Unidos, que também explicam a saída de empresas brasileiras do comércio internacional. A estimativa da Apex-Brasil é de que são necessários, pelo menos, dois a três anos de preparação nas pequenas empresas dispostas a exportar.
“Quando a crise terminar, temos de estar prontos para participar do mercado internacional. Não há milagre nisso, e sim um trabalho intenso e que envolve ações de médio e longo prazo”, afirma Tiago Terra. Com os novos rumos da política cambial no Brasil, que aproximou o dólar do patamar considerado ideal pela AEB (R$ 2,30), ficaram evidentes mais obstáculos para as pequenas e médias empresas, que agora ganham importância, de acordo com o presidente da instituição, José Augusto de Castro. “Queremos criar um guarda-chuva em apoio às pequenas e médias empresas, para que elas se sintam encorajadas a correr os riscos do mercado internacional”, diz. Entre esses fatores, além da gestão profissional, ele destaca as necessidade de redução dos custos da produção e da tributação no Brasil, e a proposta de criação de uma espécie de seguro para os pequenos exportadores.
NOVA CULTURA Em Minas, o IEL/Fiemg se surpreendeu com o interesse demonstrado pelas pequenas empresas que estão sendo assistidas para ter condições de exportar. A coordenadora local do Peiex, Patrícia Ribeiro, diz que 700 organizações de um universo que vai alcançar 1 mil empreendimentos até 2013 estão sendo atendidas no segundo ciclo do programa em andamento, num ambiente de maior maturidade e confiança. “O simples fato de as empresas participarem mais de feiras internacionais e missões ao exterior revela esse avanço”, afirma.
Fundada 21 anos atrás, a Rarus Móveis é uma das empresas que se reestruturaram com a firme decisão de implantar uma nova cultura interna, conta o diretor responsável pela gestão da empresa de Belo Horizonte, Elton Alves de Oliveira. A fábrica adotou uma filosofia profissional de trabalho, implantou sistemas de gestão de processos, setorizou a produção e otimizou os processos, com a ajuda de ferramentas de controle. “A mudança e a nova cultura atingiram todas as áreas, com a mentalidade da busca de mellhorias contínuas”, afirma.
Antes mesmo de chegar ao ponto de realizar o sonho de exportar –algo ainda na fase de planos, define Elton Oliveira –, a fábrica, que produz móveis por encomenda com o trabalho de 30 empregados em um galpão ainda alugado, aprendeu a importância da inovação e ganhou condições para competir melhor no seu quintal. Esse é um dos resultados da preparação para as exportações, lembra Tiago Terra, da Apex-Brasil. “O fato de a empresa estar se adequando para o mercado internacional a deixa mais competitiva no mercado interno”, afirma. Cerca de 10% das empresas que recebem a consultoria conseguem atuar no exterior.
Artesanato vive bom momento
O aumento significativo das exportações de artesanato de Minas Gerais, conforme os registros do Instituto Centro Cape, reflete a profissionalização de artesãos e de oficinas. As vendas externas da arte popular feita no estado evoluíram de modestos US$ 10 mil em 2002 para os US$ 4,971 milhões do ano passado e devem alcançar US$ 6 milhões no balanço deste ano. Desde 2007, 161 artesãos, oficinas ou ateliês foram certificados pelo selo Instituto de Qualidade Sustentável (IQS), criado na forma de atestado de qualidade de todo o processo de trabalho.
Controles e conceitos essenciais no mundo empresarial, como a formação de preços e uma linha organizada de produção, passaram a fazer parte de um dia a dia que os artesãos desconheciam e permitiu que eles dessem continuidade aos pedidos, condição essencial para os importadores, lembra Tânia Machado, presidente do Instituto Centro Cape e da Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa). “O artesão que exporta não só aprende a vender melhor o seu produto, mas compra de forma mais eficiente a sua matéria-prima e passa a ter cuidados em todo o processo de produção, da qualidade à embalagem”, afirma. Cerca de 300 artesãos filiados ao Mãos de Minas já se submeteram à consultoria e ao treinamento.
EM SÉRIE Em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o artesão Thiago Silva deu novo rumo à produção de carteiras, chaveiros, vasos decorativos e outras peças exclusivas feitas em tecido, juta e material reciclado, depois de adotar o sistema da fabricação seriada. “Hoje, eu sei o meu custo de produção detalhado e o tempo gasto em cada peça, o que me proporcionou um cronograma de produção”, afirma. Mais seguro, ele colheu no ano passado os primeiros frutos da exportação, ao ser selecionado pela rede espanhola El Corte Ingléz, que fez compras no Brasil.
Thiago Silva vendeu 4 mil peças para o magazine e agora negocia a venda de produtos para a gigante americana TJMaxx. Para reforçar o trabalho de apoio aos artesãos exportadores, a Abexa vai levar os autores às feiras internacionais – são nove eventos por ano – para que eles aprendam na prática como negociar, conheçam a produção dos concorrentes e saibam da importância de estar preparados para dar continuidade aos eventuais pedidos dos importadores. Cerca de 70% das exportações dos artesãos de Minas são destinadas aos Estados Unidos, seguidos da Itália, França, Espanha e Portugal. Neste ano, até o primeiro semestre, os presépios em palha lideraram o ranking dos trabalhos mais vendidos na Europa, com base em levantamento do Instituto Centro Cape. Peças em pedra-sabão, cabaça, papel machê e ferro completaram a relação dos itens mais valorizados no exterior. (MV)