O governo prometeu, mas não cumprirá, tão cedo, a promessa de promover a esperada reforma da Previdência Social, cuja sangria só faz aumentar – apenas com o salário mínimo passando de R$ 622 para R$ 678 a partir de 1º de janeiro, as despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão aumentar pelo menos R$ 16,8 bilhões no ano que vem. O aviso do ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, é claro: nem a extinção do fator previdenciário, nem a definição de uma idade mínima para a aposentadoria, nem as barreiras para conter os abusos no sistema de pensões sairão do papel neste ano e, dificilmente, decolarão em 2013.
O tema reforma, diz Garibaldi, só entrará na agenda da presidente Dilma Rousseff quando o país conseguir resolver seus problemas de curto prazo, sair da crise e retomar o crescimento econômico. Como não há sinais de que o pior já passou, os graves problemas previdenciários ficarão para depois. “O governo está voltado para o debate de medidas de natureza econômica que deem resultado no curto prazo. Só teremos alguma chance de dar andamento à reforma previdenciária quando o Palácio do Planalto tiver uma agenda mais diversificada”, diz. “Eu não quero ser mais realista do que o rei. Aliás, ela (a presidente Dilma) é quem é a rainha”, afirma.
O ministro reconhece que há muito o que consertar, pois, da forma como o sistema está estruturado hoje, não tem como se manter de pé por muito mais tempo. Ele ressalta, porém, que nenhum brasileiro que já esteja no mercado de trabalho perderá direitos adquiridos quando a reforma acontecer. Tanto a idade mínima para a aposentadoria quanto as futuras regras de pensões só valerão para os trabalhadores que entrarem no mercado após a promulgação da lei. Garibaldi diz que, tão logo o governo decida encampar a reforma da Previdência, terá o que apresentar.
Quanto às pensões, Garibaldi afirma que apertará as regras para a concessão dos benefícios, que, somente no INSS, já consomem R$ 60 bilhões por ano. “Temos que moralizar o sistema, reduzir os abusos.” Ele destaca ainda que os segurados não devem esperar, no curto prazo, redução substancial no tempo de espera por uma perícia médica. “Faltam médicos. Sofremos uma concorrência desleal até mesmo do Programa de Saúde da Família”, diz. “A Previdência paga um salário de R$ 8 mil e o PSF (Programa de Saúde da Família), de R$ 12 mil. Não tempos como competir.” Não à toa, há trabalhadores esperando mais de 90 dias pelo serviço. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que o ministro concedeu ao Estado de Minas.
O ano está terminando sem que o governo e o Congresso tenham decidido sobre temas importantíssimos para o país, como o fator previdenciário e as pensões. O senhor tinha prometido novidades para dezembro. Por que elas não ocorreram?
Na medida em que a discussão do fator previdenciário saiu da mesa de negociação, nós ficamos sem gancho. Terminou ficando tudo para 2013. Sempre defendemos uma discussão mais abrangente, mas perdemos a oportunidade de levar isso adiante. No caso das pensões, as reformas virão, cedo ou tarde, pois o país não comporta mais bancar tantas distorções.
O senhor acredita que, em 2013, o penúltimo ano do governo Dilma e um período pré-eleitoral, haverá alguma chance de o Congresso discutir cortes de benefícios, como o das pensões?
Só teremos chance se houver uma agenda mais diversificada. O governo está centralizando o debate com as medidas de natureza econômica, e isso não tem dado espaço para outros temas. Estamos na expectativa de que haja um desafogo na agenda econômica. É meio paradoxal isso, porque o que queremos propor pode representar uma economia mais a longo prazo, a exemplo do Funpresp (Fundo de Pensão dos Servidores Públicos). Na minha visão, o governo já tem muitos problemas pela frente e, se trazer, agora para o front a área social, com certeza se verá no meio de um fogo cruzado.
Mas o tempo político vai se escasseando e a economia não dá sinais de que se ajeitará logo. Não existe o risco de não dar para fazer o que precisa ser feito?
Existe.
E como contornar isso?
O governo vem propondo medidas para minimizar os problemas de ordem econômica no curto prazo. Os nossos projetos dizem respeito a uma economia para o setor público mais a longo prazo. Daí ter que conciliar uma coisa com a outra.
Mas essa não é uma visão errada? A Previdência já não é o maior problema fiscal do governo?
Essa premissa é falsa. O grande problema do governo ainda não é a Previdência. Se não, nós estaríamos sendo convocados pela presidente a todo instante, como é o ministro Guido Mantega, da Fazenda. A Previdência é um problema para 2030, e a presidente está preocupada com 2013. Eu não quero ser mais realista do que o rei. Aliás, ela é quem é a rainha. E acho que ela está certa, pois tem um problema de curto prazo. Tem que botar a economia no rumo certo, para poder até ter condições de pensar mais a longo prazo.
Repetidas vezes, o senhor vem colocando no debate o escândalo que é o nosso regime de pensões...
E é. Com o apoio da presidente Dilma Rousseff, o que deve estar em primeiro lugar dentro da agenda da Previdência Social é o problema da lei de pensões. Porque, inclusive, já temos uma despesa de R$ 60 bilhões no regime geral (INSS), para uma despesa global de R$ 300 bilhões — e isso apenas neste ano. Somada com outros regimes (servidores públicos), a despesa com o pagamento de pensões ultrapassa os R$ 100 bilhões. Isso é insustentável.
Por que a prioridade?
Porque é um sistema cheio de falhas. Quando se fala em corte de pensões, pensa-se que vamos cometer injustiças. Ora, na verdade, nós estamos querendo fazer justiça. Há toda aquela história de falta de tempo de carência (para o recebimento do benefício), casamento no leito de morte, etc. São muitas as falhas que custam caro aos cofres públicos. O país não pode continuar pagando isso e promovendo a injustiça, porque a grande maioria que paga a vida inteira está sendo burlada. Os brasileiros terão que se conscientizar de que não há mais espaço para esse tipo de coisa.
Qual a origem de toda essa generosidade brasileira?
No passado, as regras de pensão não eram tão benevolentes. A origem é a Constituição de 1988, agravada pela Lei nº 8.213, do início dos anos 1990. A legislação pré-Constituição era muito parecida com a dos demais países. Havia uma cota familiar, um adicional por dependente, não era 100% para todo mundo, não tinha reversão de cotas. Não havia abusos.
Mas, para corrigir isso, os brasileiros podem contar, nos próximos anos, com reduções de direitos? Não tem como consertar a Previdência sem isso?
Não se trata de reduzir direito. É reduzir abusos. Esse é o grande problema. Se nós não comunicarmos isso bem, podemos até perder a batalha e não chegar a lugar nenhum. Não estamos falando em cortar direitos. Estamos falando em alterar regras de acesso. O direito no Brasil é quando você preenche pré-requisitos. Até então, o que se tem é uma expectativa de direito. São alterações que visam moralizar. Não existe almoço grátis.
No passado, quando se adotou o fator previdenciário, isso foi entendido como uma perda de direito. Ou não?
Não vou defender o fator previdenciário. Mas ele existe porque este país nunca teve uma idade mínima para a aposentadoria. Se não havia uma idade mínima, o sujeito se aposentava aos 55 anos (a média é de 53), tiveram que criar um monstrengo. O país não teve coragem para adotar uma idade mínima, coisa que quase todos os países têm. Só quatro não têm. Equador, Irã, Iraque e Grécia. Como vê, estamos em má companhia.
Geralmente, o político, quando vira ministro, vai para uma pasta para inaugurar obra, para distribuir bondades que dão votos. Qual o sentido de ser um ministro da Previdência? O que isso acrescenta em relação ao seu eleitorado?
Primeiro, não me ofereceram outro ministério. Eu até queria um mais fácil. A qualquer tempo que me derem outro, estou disposto a trocar. Mas acho que ninguém vai querer. A Previdência é difícil.
Mas vale a pena?
Vale. Nós já conseguimos aprovar o Funpresp, que todos reconhecem como um avanço. Quem sabe conseguimos abrir mais essa agenda e dar outra contribuição para o país? Há distorções graves que precisam ser corrigidas. Tivemos duas reformas da Previdência, as dos governos Fernando Henrique e Lula. Mas os desafios continuam.