Essa é uma situação que se repete dia após dia. Segundo dados do Ministério da Saúde, 45,34% das vítimas de trânsito no país têm entre 15 e 39 anos, ou seja, estão em idade produtiva. A consequência é catastrófica para a economia familiar e também para o mercado de trabalho. O sociólogo e consultor em segurança no trânsito Eduardo Biavati avalia que a perda maior é para as classes com menor qualificação. A explicação é que a maior parte das vítimas têm baixa escolaridade. Prova disso está no fato de entre os atendidos no Hospital Galba Veloso Ortopédico (unidade da Fundação Hospitalar de Minas Gerais responsável pelo tratamento desse tipo de trauma) metade dos pacientes ter no máximo o ensino fundamental completo, enquanto apenas 2% têm o curso superior completo. “Ajuda a enxugar estoque de trabalhadores braçais. É uma deseconomia da força produtiva. A maior parcela de vítimas agrega adolescentes e adultos jovens”, afirma Biavati.
Em um país em situação de pleno emprego, no qual apenas 5,5% da população está desempregada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e conseguir mão de obra qualificada é uma tarefa árdua, o problema se torna ainda mais grave. Os acidentados poderiam preencher vagas em oferta, contribuindo para o desenvolvimento do país, mas, em vez disso, de certa forma se tornam um peso para os cofres públicos, com custos que vão desde a internação até o pagamento de indenização. A estimativa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) é que os gastos com feridos ficam em torno de R$ 90 mil e com mortos atingem R$ 421 mil.
Dificuldades No caso do marceneiro, sem o rendimento mensal de R$ 4 mil, ele se viu frente a um problemão no sustento dos dependentes – três filhos menores e a esposa. Por sorte, amigos se juntaram para colaborar e evitar que faltasse comida na mesa. Todos os meses ele recebe duas cestas básicas e meio salário mínimo por solidariedade dos vizinhos. Até então, a mulher, que cuidava apenas dos serviços de casa, se viu obrigada a fazer faxinas esporádicas para completar o orçamento. “Sobrava serviço. Em quatro dias eu dava conta de montar o telhado de uma casa pequena. Era aquele dinheiro que mantinha a família”, lembra Flaviano, que, além de não ter sido aprovado na perícia para aposentadoria, não pode contar com os pagamentos do INSS, por ser autônomo e não contribuir regularmente.
O detalhe do não pagamento do seguro social é um atenuante do custo que uma vítima pode ter. As estatísticas do Hospital Galba Veloso mostram que 22% dos pacientes são trabalhadores autônomos e o fato de não contribuir pode resultar na perda de todos os rendimentos. “O trauma não é programado. De repente, você é atropelado e obrigado a parar. Deixa sua vida lá fora”, afirma a gerente do hospital, Alessandra Carvalho Luciola. Mas, enquanto a vida estaciona, os problemas permanecem e em muitas situações as dívidas se acumulam.
Fontes de sustento são 20% dos casos
A multiplicação do número de motos nas ruas pode ser encarada como um facilitador para o transporte individual de classes mais pobres, mas, ao mesmo tempo, coloca os usuários em situação de alto risco. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que quase metade das vítimas de trânsito estão em situação vulnerável (pedestres, ciclistas e motociclistas).
O lavrador José Jacinto Pereira, de 59 anos, se encaixa nessa lista. No percurso entre a zona urbana e a rural de São Sebastião do Anta, no interior de Minas, ele derrapou, caiu da moto e quebrou a perna. Há 20 dias está internado na enfermaria do hospital, mas, por pelo menos mais dois meses, deve ficar impedido de cuidar da roça. Com isso, o sustento dele e da esposa dependerá basicamente dos produtos encontrados na horta de que ele cuida no fundo da casa e dos peixes e porcos criados na pequena propriedade rural. Sobre o pagamento das contas, ele é rápido em dizer: “Aperta um pouquinho para a gente. Vou fazer umas dívidas e esperar que a colheita seja boa”, diz ele sobre os pés de café, que em julho demandarão trabalho dobrado.