Durante o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde realizado em Belo Horizonte na semana passada um debate acalorado incendiou a pauta dos especialistas em saúde coletiva. O anúncio feito pelo governo federal de crédito para cooperativas médicas, (publicado pelo Estado de Minas), provocou críticas severas à política pública para o setor privado. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), criticaram duramente a divulgação feita pelo ministro Fernando Pimentel. Segundo as entidades, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) terá uma linha de financiamento destinada a cooperativas médicas para o fortalecimento e a expansão da infraestrutura de atendimento à população. Com a disponibilização do crédito que tem como garantia as reservas técnicas dos planos, a intenção é que as cooperativas possam expandir sua rede e a oferta de leitos, grande gargalo hoje no atendimento dos planos de saúde. O médico sanitarista e presidente da Abrasco, Luis Eugênio Souza, diz que o crédito para os planos é um “ataque ao SUS (Sistema Únicos de Saúde).”
Um dos objetivos do crédito para as cooperativas médicas é que ele funcione como fomento para a expansão de leitos na rede privada, o que é positivo para os usuários do sistema. Por que a Abrasco se posiciona contra a medida?
Estamos chocados com o anúncio do ministro Fernando Pimentel, feito durante a convenção das Unimeds, em Belo Horizonte. O sistema Unimed, por exemplo, faturou R$ 33,9 bilhões no ano passado. Quando o governo favorece esse crédito com juros subsidiados está drenando recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para a rede privada, mesmo se tratando de um sistema de cooperativas. Temos um projeto de iniciativa popular que recolheu 2,2 milhões de assinaturas que pleiteia R$ 40 bilhões de investimentos no SUS em 2014. O governo propõe R$ 6 bilhões, é uma diferença muito grande. No sistema de saúde que temos, o SUS tem funcionado como um resseguro para os planos.
O que exatamente isso quer dizer?
Quer dizer que mesmo a população brasileira que paga por um plano de saúde (cerca de um quarto), usa o SUS em casos de alta complexidade, quando precisa usar procedimento que não são cobertos pela grande maioria dos planos. Como exemplos podemos citar os tratamentos para câncer, transplantes, hemodiálise, internações em UTI por mais de 30 dias. Com essa concessão de crédito, o governo vai fortalecer a segmentação do sistema de saúde, um SUS público para os pobres e para a alta complexidade, e um sistema para quem usa os planos privados. Fortalece a lógica da saúde de acordo com a capacidade de pagamento e não de acordo com a necessidade.
A Abrasco é contra o sistema onde existe a saúde pública e a privada?
Não. Não somos contra os planos, desde que eles funcionem dentro da lógica do serviço privado. A saúde privada é um direito previsto na constituição do país. O que não aceitamos é a utilização de recursos públicos pelo sistema particular, quando faltam recursos e investimentos no SUS. Quando empresta dinheiro a juros subsidiados isso significa que há uma renúncia da arrecadação. Outra questão é que a garantia desses empréstimos são as reservas técnicas. Utilizar esses recursos como garantia é um risco para os usuários das cooperativas médicas.
Muitos defendem que as deficiências do SUS se devem a gestão dos recursos…
O SUS consegue aplicar todos os recursos que tem disponível, diferentemente, por exemplo, de recursos voltados para infraestrutura, que nem sequer conseguem se aplicados. O principal problema do SUS é a falta de coordenação entre os entes. Para isso existe uma lei já aprovada em 2007 que permite no país o sistema de consórcios, uma rede entre as três esferas de gestão (União, estados e municípios). Teríamos um sistema integrado em rede, custeado por todos. Uma gestão desconcentrada em 402 regiões, como ocorre no sistema inglês.
Na opinião do senhor, o sistema público de saúde brasileiro tem alguma semelhança com o americano? Qual sua opinião sobre o chamado Obama care?
O sistema de saúde americano é o mais caro do mundo e mesmo assim não consegue atender toda a sua população. O Brasil investe 8,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, enquanto os Estados Unidos gastam 17% de seu PIB, que é o maior do mundo. No Brasil, o SUS atende a todos. Nos Estados Unidos, 20% da população não é pobre suficiente para usar o medcade, sistema público americano e nem são ricos para pagar os planos. Mesmo quem tem um convênio durante a mudança de emprego passa por um período sem a cobertura. O que o governo Obama decidiu é que todos tenham planos. Para quem não pode pagar, o governo vai custear as prestações. No Brasil, o SUS tem maior cobertura e maior vigilância em saúde que o sistema americano.