O Brasil é o país que mais tem dentistas no mundo, mas, de forma contraditória, ainda esbanja uma população que, na maioria, não frequenta o dentista regularmente e ainda não desenvolveu a cultura preventiva. Apesar dos 250 mil dentistas na ativa (cerca de 11% dos profissionais do globo), o país ainda tem uma população de 24 milhões que nunca pisou em um consultório odontológico. Apenas 15% dos brasileiros cuidam da saúde bucal regularmente. A expressiva maioria dos profissionais, cerca de 70%, atende em consultórios particulares ou por planos de saúde. Os convênios cobrem 10% da população.
“O tratamento odontológico, que é barato quando feito de forma preventiva e regular, acaba sendo caro para o brasileiro porque ainda não há, no país, a cultura de ir ao dentista regularmente. Assim, o quadro se agrava”, avalia Eduardo Gomide, presidente da Comissão Nacional de Convênios e Credenciamentos que representa entidades do setor como Conselho Federal de Odontologia (CFO), Associação Brasileira de Odontologia (ABO) e Associação Brasileira dos Cirurgiões Dentistas (ABCD). Gomide, que também é presidente do Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais (Somge), diz que a saúde do brasileiro teve grande melhora com o investimento público no programa Brasil Sorridente. No entanto, ele reforça que, de norte a sul, a realidade ainda é preocupante. “Entre a população (11,7% dos brasileiros) que declara nunca ter ido ao dentista, 15,4% são jovens de 15 a 19 anos. Esse é um dado muito grave.”
Em Mocambinho, pequeno distrito de Francisco Sá, no Norte do estado, a assistência odontológica ainda não chegou. O antigo prédio, onde já funcionou um posto médico, hoje abriga uma escola de ensino fundamental. Não é raro encontrar por lá crianças e adolescentes que nunca sentiram o frio na barriga ao sentar-se pela primeira vez na cadeira do dentista. “Preciso do tratamento, mas nunca fui ao dentista. Eu até já perdi aula por causa de dor de dente”, conta Renata Cardoso de Souza, 14 nos, ao lado das irmãs mais novas, Daiane (9) e Viviane (8), que também não fazem prevenção, como limpeza ou aplicação de flúor para evitar cáries. Desembolsar cerca de R$ 500 para um tratamento de canal, por exemplo, é um gasto que não cabe no orçamento da família.
Segundo Gomide, hoje, 37% dos dentistas brasileiros atendem pelo Sistema Únicos de Saúde (SUS). Apesar de considerar o número baixo diante de uma população de 170 milhões de brasileiros distribuídos pelas classes C, D e E, ele aponta que há 10 anos o quadro era bem pior, o que ajuda a justificar o alto percentual de dentes perdidos entre os maiores de 35 anos, que persiste até hoje. Em 2003 apenas 10% dos dentistas atendiam pela rede pública. “O ideal é que o percentual de profissionais na atenção básica pública continuasse a crescer para atender a maioria da população brasileira.”
Planos
Sem citar levantamento específicos da saúde bucal dos usuários dos convênios, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog), Geraldo Lima, diz que a melhora nos índices gerais de saúde bucal da população brasileira reflete o maior acesso aos tratamentos preventivos e de reabilitação oral. Contratados por cerca de R$ 20 mensais, os planos odontológicos cobriam pouco mais de 1% da população em 2000. A receita do setor mais que dobrou entre 2007 e 2012, passando de R$ 1 bilhão para R$ 2,2 bilhões.
Em Montes Claros, o garoto Wesley Rodrigues, 10 anos, não tem plano de saúde e sonha com o dia em que irá a um consultório odontológico para colocar aparelho ortodôntico. “É muito caro”, diz o menino. Marlene Rodrigues, que é mãe de Wesley e outros cinco filhos, trabalha como empregada doméstica. Ela, que já perdeu vários dentes, sonha substituir a prótese por implantes, desejo que também está fora do alcance de seu orçamento.
Caminho certo
Segundo dados do Ministério da Saúde, o Programa Brasil Sorridente, que leva o tratamento odontológico gratuito à população, beneficia cerca de 94,5 milhões de brasileiros atendidos por 22,6 mil equipes de Saúde Bucal, que cobrem cerca de 90% dos municípios. Recentemente, a presidente Dilma Rousseff anunciou que o governo federal investiria, até este ano, R$ 3,6 bilhões no programa, que é o maior de atendimento odontológico público e gratuito do mundo.
O Ministério da Saúde também passou a financiar duas novas opções de tratamento: ortodontia e implante dentário. Na área de implantes, foram feitos 5.680 implantes em 2012, crescimento de 52% em apenas um ano. Também em 2012, foram 9.159 aparelhos ortodônticos, representando crescimento de aproximadamente 20%. A Prefeitura de Belo Horizonte informou que mantém atendimento odontológico em 147 centros de saúde e atendimento de urgência nas Unidades de Pronto-Atendimento Norte e Oeste e no Hospital Municipal Odilon Behrens (HMOB).
O presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Luiz Fernando Varrone, considera que o Brasil Sorridente foi um avanço por instituir a cultura da prevenção. No entanto, alerta: “O Brasil Sorridente não é uma política de Estado. Ele é um programa facultativo. É preciso haver garantias de que será levado adiante”. Para Gomide, o foco do sistema público deve priorizar a atenção básica.
Personagem da notícia
Benjamin teixeira dos santos
Foram-se os votos e os dentes
Benjamin Teixeira dos Santos (foto) não teve oportunidade de frequentar o dentista quando era jovem. Aos 77 anos, o aposentado, morador de Grão Mogol, no Norte de Minas, conta que há mais de 40 anos perdeu todos os dentes. “Naquele tempo, não havia dentistas por aqui. Quando chegava a época da política, alguns apareciam. Mas o que faziam era arrancar os dentes da gente, não tinha tratamento”, recorda o aposentado, descrevendo a conduta eleitoreira junto aos moradores da zona rural durante campanhas políticas. Resignado, Benjamim declara que nunca usou dentadura. “Me acostumei assim.” De hábitos simples, ele conta que já ouviu falar sobre implantes dentários, mas que não se interessou pela tecnologia por acreditar que o custo está fora do seu alcance. “Dizem que é muito caro.”