Ouro Preto, Mariana, Viçosa, São João del-Rei e Lavras – O avanço da educação de nível superior no Brasil, que surgiu timidamente em meados dos anos 2000, está, ainda, longe de arrefecer como alavanca de um novo ciclo de crescimento do comércio, da construção civil e do setor de prestação de serviços. Até mesmo naqueles municípios sustentados pelo emprego e a renda gerados em atividades tradicionais, a exemplo da indústria da mineração e do agronegócio, os resultados da educação surpreendem. A expansão passou, também, a expor os problemas e os desafios do crescimento que as chamadas cidades universitárias não estavam preparadas para ver. Com a multiplicação de alunos, do corpo docente e de pesquisadores em diferentes áreas, circula mais dinheiro, mas, sem planejamento, elas esbarram nos males das metrópoles: especulação imobiliária, trânsito carregado e a inflação dos preços de produtos e serviços.
De 2004 a 2012 as instituições públicas e privadas cresceram 20% no país em número de unidades e o universo de estudantes aumentou 75%, alcançando 7,1 milhões de pessoas. Em relação à década de 1990, o número de instituições de ensino superior triplicou, com base no Censo da Educação Superior, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No interior de Minas Gerais, a corrida para formar mão de obra está revolucionando a economia. Levantamento feito pelo Estado de Minas em cinco universidades federais – de Ouro Preto, Viçosa, São João del-Rei, Lavras e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – e na Universidade Estadual de Montes Claros mostra que elas movimentaram mais de R$ 1,3 bilhão no ano passado, entre gastos com pessoal, despesas de custeio e investimentos. São mais de 42 mil alunos e cerca de 10 mil professores e servidores.
Os primeiros resultados da expansão da educação já podem ser vistos a menos de um quilômetro do Insitituto de Ciências Sociais da Ufop, onde surgiu uma dezena de negócios, entre lanchonetes, padaria, papelaria, copiadora, topa-tudo e boate. Felipe Pyra Almeida, dono da Copiadora Realce, apostou na clientela da universidade com a abertura no mês passado de uma loja de 80 metros quadrados, que oferece serviços de xerox e gráfica. Até então, a empresa recebia clientes num único balcão de 1,6 metro e tinha como foco as mineradoras que atuam na cidade. “Não vamos deixar de atender as empresas, mas a expectativa é de conquistar a demanda dos estudantes que perdemos por falta de espaço”, afirma.
AVANÇO De fato, a ampliação dos horizontes da Ufop nos últimos sete anos revelou a potência da instituição, que bem poderia ser comparada à de uma empresa. O Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), lançando pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é como um divisor de águas do crescimento de 130% da Ufop desde 2008, na visão do reitor Marcone Jamilson. A instituição passou a atender 11 mil alunos na graduação presencial, outros 1 mil na pós-graduação e 4 mil no ensino à distância, que alcança estudantes em São Paulo.
São três campi (em Mariana e João Monlevade, além de Ouro Preto), 38 cursos de graduação e 34 de pós-graduação. Do quadro efetivo de 1.640 docentes e técnicos administrativos, mais de 550 foram novas contratações. Poderosa como uma empresa, a Ufop tem um orçamento anual de R$ 300 milhões, entre gastos com pessoal, custeio e a necessidade de investimentos. A cifra supera a receita total da Prefeitura de Ouro Preto, de R$ 251,7 milhões no ano passado. Para o município, ainda sustentado pela mineração de ferro, alguns dos indicadores financeiros evoluíram de forma impressionante. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) cresceu de R$ 686 mil para R$ 24,2 milhões nos últimos cinco anos e a arrecadação com o Imposto sobre Serviços (ISS) subiu de R$ 10,1 milhões para R$ 38,4 milhões no mesmo período.
Em São João del-Rei, a serraria de Rafael Agostini, há 50 anos no ramo, prosperou na rota de crescimento dos serviços de educação, puxados pela UFSJ. O negócio tradicional, focado em material para construção civil, fabricação de carrocerias e embalagens para indústria e que emprega 250 pessoas, vivenciou a influência da educação. “Com o crescimento da universidade houve uma expansão do setor imobiliário e da construção. O segmento cresce em torno de 5% ao ano, acima do Produto Interno Bruto (PIB) do país.” (Colaborou Luiz Ribeiro)
Movimento no ritmo dos cursos
A recente transformação de cidades agrícolas, turísticas e mineradoras também em polos da educação faz com que períodos de greve e de férias preocupem tanto quanto as mudanças climáticas ou a crise internacional das commodities. A queda na economia local é imediatamente sentida, “a cidade fica um paradeiro só”, observa a empresária Tessália Botrel, há um ano proprietária do restaurante Delícias da Casa, que serve 150 refeições por dia, em Lavras, no Sul de Minas. Segundo ela, que também faz parte do grupo que comanda a papelaria Alvorada, com foco no mundo universitário, greve e férias significam movimento 30% menor. “Mesmo que o preço do restaurante não atraia estudantes, o movimento indireto da universidade é muito forte”, afirma.
Em São João del-Rei, no Campo das Vertentes, a universidade federal que tinha cerca de 3,6 mil alunos na graduação, em 2004, soma mais de 8 mil hoje. O prefeito Helvécio Luiz Reis diz que o turismo e o agronegócio somam as maiores forças da economia, junto da instituição de ensino. A universidade é o maior gerador de emprego, com 800 vagas diretas. O orçamento também surpreende, fica acima do municipal. Enquanto o orçamento do executivo soma R$ 170 milhões o da a universidade é de R$ 210 milhões.
A rede de supermercados Sales expandiu sua atuação no município, onde mantém três das 13 lojas da rede, gerando na cidade 300 empregos. O diretor-presidente da empresa, Marcos Gomes de Almeida, diz que o público universitário influencia o consumo, muitas vezes trazendo novos hábitos. “O Sales prioriza o a mão de obra formada pelas instituições.”
Em Lavras, a influência da Ufla é também expressiva. “Estimamos que os estudantes de graduação e pós-graduação gastem por ano, na cidade, em torno de R$ 100 milhões para sua manutenção pessoal”, observa o reitor, José Roberto Scolforo. Embora com cifras mais modestas, a Universidade Federal dos Vales do Jequitinha e Mucuri (UFVJM) influencia o comércio e a renda de Diamantina, terra de JK. Levantamento realizado pelo professor Fernando Afonso Ferreira Junior em junho de 2010 indicou que, naquele período, a cidade já contava com 500 repúblicas de estudantes, que despejavam na economia cerca de R$ 29 milhões por ano.
Personagem da notícia
Murilo Nunes, estudante
Troca de estado para garantir formação
Murilo Nunes, de 18 anos, deixou Angélica, cidade de 13 mil habitantes no Mato Grosso do Sul, para estudar agronomia em um curso cinco estrelas, em Lavras. De ônibus, a viagem até a universidade leva um dia e meio e por isso ele só vai para casa nas férias. Filho de agricultores familiares, Murilo consome, por mês, na cidade onde mora, cerca de R$ 800 enviados pelos pais, além de uma bolsa de iniciação científica de R$ 300. No alojamento estudantil, ele economiza o aluguel e os principais gastos são com alimentação. Quando se formar , ele quer voltar para o Mato Grosso do Sul e usar a qualificação que teve para melhorar a produção de leite em sua região.