Altamira (PA) – Os 13 graus negativos do termômetro fazem qualquer um se esquecer de que está na margem esquerda do Xingu. O rio vira gelo numa fábrica trazida de Seattle (EUA) – são, ao todo, três delas no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Flocos caem do teto por cinco metros até o chão. Removidos por um rodo automático, seguem por um duto e se juntam com cimento e cascalho provenientes de outra instalação industrial.
Fosse usado o rio em estado líquido na mistura, não se conseguiria concreto de tanta qualidade, duro o suficiente para conduzir o próprio Xingu entre paredes que vão desembocar em 24 turbinas. Domado, o rio vai produzir até 11.233 megawatts (MW), em duas casas de força. Na principal, há 18 turbinas gigantes, que vão gerar 11.000MW. Na menor, a 20km dali, ao lado da barragem, serão mais 233MW.
O Xingu já está semirrepresado, com uma barragem de seis quilômetros de largura. Ela será fechada de vez, com mais um quilômetro, até o fim do ano que vem. Começarão, então, a funcionar algumas das turbinas pequenas, instaladas no sítio Pimental. Para os ambientalistas, será uma derrota. Para os defensores da obra, uma vitória parcial. Belo Monte é um gigante, mas para ser aprovada foi reduzida à metade. O projeto original, dos anos 1980, previa um lago de 1.200km². Com isso, seria possível guardar água suficiente para girar as turbinas também no período de seca. A partir de uma capacidade instalada de 11.000MW, se conseguiriam 9.000MW médios por ano.
Exército de operários O técnico em refrigeração Luiz Carlos Rocha, 56 anos, inspeciona de vez em quando o interior frio, barulhento e escuro da fábrica de gelo. Ao abrir a porta e avançar um passo, está no denso ar amazônico de 35°C. Pode avistar, a algumas centenas de metros, um fragmento de floresta. “A gente deveria ganhar insalubridade para enfrentar essa mudança de temperatura”, queixa-se. Os filhos, já crescidos, estão em São José do Rio Preto (SP), de onde veio. Na vila da obra, vive com a mulher.
Revezam-se em três turnos diários 25 mil operários – 30% são de Altamira, 24% de outros locais do Pará e 46% dos demais estados – com apenas uma parada, aos domingos. A meta é não perder mais um dia sequer. Desde que os trabalhos tiveram início, em 2011, já escaparam pelo ralo 400 dias, por conta de decisões judiciais ou protestos que paralisaram as obras. Há um ano, índios de várias etnias ocuparam parte do canteiro. Alguns da região, outros de longe, todos contrários às usinas projetadas para o Rio Tapajós. “Belo Monte virou um palco internacional”, lamenta o diretor da obra, Antonio Kelson Elias Filho. Depois da confusão, transformou-se também em uma fortaleza. Às áreas mais importantes da obra, não se chega sem atravessar postos de controle, cercas altas e fossos.
Racionamento Kelson Filho afirma que a primeira turbina da casa de força principal ficará pronta em março de 2016, certo de que não há qualquer possibilidade de atraso. Afinal, grande parte do que será gerado nos primeiros anos já foi pago por 27 distribuidoras de energia do país, a R$ 78 o megawatt/hora (MWh). Se o prazo não for cumprido, a Norte Energia, vencedora do leilão de 2010 que a sagrou concessionária, terá de recorrer ao mercado e pagar à vista. Em meio à iminência de racionamento, o MW/h está custando mais de R$ 800. O diretor da Belo Monte ressalta que o problema não é apenas o preço: a quantidade a ser gerada pela usina é muito grande. Se não entregar o combinado e não puder comprá-lo, a companhia pagará multa altíssima.
No atual estágio da construção da usina de Belo Monte, ninguém acredita, mesmo entre seus opositores ferrenhos, que será possível interrompê-la. O temor é a construção de mais seis barragens e usinas rio acima. A capacidade instalada da casa de força da nova hidrelétrica será suficiente para iluminar uma cidade de 18 milhões de habitantes
Belo Monte tem 11.233MW de capacidade instalada, mas vai gerar 4.571MW em média ao longo do ano, por ter reservatório pequeno. Se as outras barragens e usinas fossem concluídas, porém, seria possível elevar muito sua capacidade, porque, na época de estiagem, a água armazenada rio acima poderia ser liberada. É o que acontece hoje em Itaipu, que conseguiu gerar 94,27MWh por ano, na média dos quatro melhores anos, rendimento superior à hidrelétrica de Três Gargantas, na China, a maior do mundo. (Colaborou Antonio Timóteo)
Geração foi ajustada a impacto ambiental
Com a intenção de evitar o alagamento de áreas indígenas e reduzir o impacto ambiental, o reservatório de Belo Monte diminuiu para 503 km². A geração média ficará em 4.571 MW ao longo do ano. “Costumo dizer, como engenheiro e como brasileiro, que as gerações futuras vão nos cobrar: por que vocês instalaram tantas máquinas e não estão usufruindo da capacidade de geração de energia?”, diz Kelson Filho, diretor da obra. Os ambientalistas também questionam gastar tanto dinheiro para uma usina que será limitada em sua capacidade. Mas acham que, em vez de fazer o dobro, o melhor seria fazer nada. Copo meio cheio ou meio vazio, Belo Monte não é vista por ninguém como a solução ideal.
Mesmo limitada, a hidrelétrica será a maior usina exclusivamente brasileira - já que Itaipu é dividida com os paraguaios -, e poderá ser a recordista nacional em geração. Tucuruí, atualmente no topo do ranking, tem capacidade instalada de 9.000MW. A energia firme tem ficado em 4.140MW anuais.
A obra de Belo Monte, que vai até 2019, tem custo previsto de R$ 25,9 bilhões, dos quais R$ 22,5 bilhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desse total, R$ 3,7 bilhões são destinados a ações de compensação ambiental e social.
No inverno amazônico, que corresponde ao verão e ao outono no restante do Brasil, a usina terá geração perto da capacidade máxima. Grande parte dessa energia viajará 2.100km até Estreito (MG) por uma linha de 800.000 volts, a mais poderosa do país, o que evitará perdas no caminho. Assim, se integrará ao sistema do Sudeste, a região de maior consumo, economizando água dos reservatórios no período em que essa região enfrenta seca – exatamente quando sobra água no Norte do país.
Nos outros meses, a geração de Belo Monte diminuirá. Poderá chegar a zero, ou muito perto disso, durante vários meses na casa de máquinas principal. A de Pimental, onde ficará a barragem de 7km do Xingu, aproveitará a água que precisa ser liberada para não secar a curva do rio. Os 233MW das oito turbinas de Pimental são pouco se comparados à capacidade de Belo Monte, a casa de máquinas principal. Mas equivalem ao total da usina inteira de Balbina, ao Norte de Manaus, que possui um lago de 2.360 km² - o dobro do que Belo Monte teria na pior das hipóteses.
Compensações vão ao tribunal no DF
A 2 mil km de Brasília, há muita gente atenta às decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A 5ª turma da corte com sede no Distrito Federal mandou várias vezes interromper a obra de Belo Monte, em decisões mais tarde revertidas. Para o Ministério Público da União, a Norte Energia, dona da usina, e os órgãos públicos responsáveis por fiscalizar a obra têm sido negligentes quanto às compensações ambientais e sociais previstas. Na decisão mais recente do TRF, no mês passado, determinou-se prazo de 90 dias para que se demonstre o cumprimento das condicionantes.
O diretor socioambiental da Norte Energia, João dos Reis Pimentel, nega que haja atraso. “É uma questão de interpretação. As compensações são feitas ao longo da construção da usina. Várias já estão prontas e outras, prestes a ser entregues”, afirma.
A empresa diz já ter construído 48 escolas na região e quatro unidades básicas de saúde em Altamira. Até metade do ano, segundo a empresa, Altamira e Vitória do Xingu terão redes de abastecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgoto. As adaptações em cada domicílio para a ligação à rede ficarão por conta do morador.
As pessoas que moram em palafitas de madeira na orla do Xingu em Altamira estão sendo removidas para conjuntos habitacionais. A área em frente ao Xingu será reurbanizada. Entre os que estão trocando de endereço, porém, há queixas de outra ordem. Márcia da Silva, 22 anos, aposentada por invalidez, espera, em sua palafita, pela casa nova, e lamenta não poder levar para o novo bairro a pequena bicicletaria do marido, que garante renda extra à família. “Lá não pode ter comércio”.
Eliana Costa, desempregada, já se mudou. A família, com vários irmãos casados, ocupava uma casa grande na orla e ganhou cinco imóveis de alvenaria de 63m². Ela relata ter enfrentado problemas com a qualidade da construção recém-entregue, incluindo o encanamento. E queixa-se da localização. “Aqui é o fim do mundo. Não há ônibus e é preciso caminhar duas horas para chegar ao centro da cidade”.
Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) impede a construção de novas usinas no Xingu, mas é uma decisão que está bem longe de ser irreversível. "Agora isso não vai ser feito. Mas e daqui 20 anos?", indaga o biólogo Rodolfo Salm, professor do campus de Altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA). Com a diversidade de fontes possíveis de energia, o Brasil tem hoje 3.600MW de energia eólica. Até 2025, a capacidade de geração de eletricidade a partir dos ventos chegará a 60.000MW. (PSP)
Fosse usado o rio em estado líquido na mistura, não se conseguiria concreto de tanta qualidade, duro o suficiente para conduzir o próprio Xingu entre paredes que vão desembocar em 24 turbinas. Domado, o rio vai produzir até 11.233 megawatts (MW), em duas casas de força. Na principal, há 18 turbinas gigantes, que vão gerar 11.000MW. Na menor, a 20km dali, ao lado da barragem, serão mais 233MW.
O Xingu já está semirrepresado, com uma barragem de seis quilômetros de largura. Ela será fechada de vez, com mais um quilômetro, até o fim do ano que vem. Começarão, então, a funcionar algumas das turbinas pequenas, instaladas no sítio Pimental. Para os ambientalistas, será uma derrota. Para os defensores da obra, uma vitória parcial. Belo Monte é um gigante, mas para ser aprovada foi reduzida à metade. O projeto original, dos anos 1980, previa um lago de 1.200km². Com isso, seria possível guardar água suficiente para girar as turbinas também no período de seca. A partir de uma capacidade instalada de 11.000MW, se conseguiriam 9.000MW médios por ano.
Exército de operários O técnico em refrigeração Luiz Carlos Rocha, 56 anos, inspeciona de vez em quando o interior frio, barulhento e escuro da fábrica de gelo. Ao abrir a porta e avançar um passo, está no denso ar amazônico de 35°C. Pode avistar, a algumas centenas de metros, um fragmento de floresta. “A gente deveria ganhar insalubridade para enfrentar essa mudança de temperatura”, queixa-se. Os filhos, já crescidos, estão em São José do Rio Preto (SP), de onde veio. Na vila da obra, vive com a mulher.
Revezam-se em três turnos diários 25 mil operários – 30% são de Altamira, 24% de outros locais do Pará e 46% dos demais estados – com apenas uma parada, aos domingos. A meta é não perder mais um dia sequer. Desde que os trabalhos tiveram início, em 2011, já escaparam pelo ralo 400 dias, por conta de decisões judiciais ou protestos que paralisaram as obras. Há um ano, índios de várias etnias ocuparam parte do canteiro. Alguns da região, outros de longe, todos contrários às usinas projetadas para o Rio Tapajós. “Belo Monte virou um palco internacional”, lamenta o diretor da obra, Antonio Kelson Elias Filho. Depois da confusão, transformou-se também em uma fortaleza. Às áreas mais importantes da obra, não se chega sem atravessar postos de controle, cercas altas e fossos.
Racionamento Kelson Filho afirma que a primeira turbina da casa de força principal ficará pronta em março de 2016, certo de que não há qualquer possibilidade de atraso. Afinal, grande parte do que será gerado nos primeiros anos já foi pago por 27 distribuidoras de energia do país, a R$ 78 o megawatt/hora (MWh). Se o prazo não for cumprido, a Norte Energia, vencedora do leilão de 2010 que a sagrou concessionária, terá de recorrer ao mercado e pagar à vista. Em meio à iminência de racionamento, o MW/h está custando mais de R$ 800. O diretor da Belo Monte ressalta que o problema não é apenas o preço: a quantidade a ser gerada pela usina é muito grande. Se não entregar o combinado e não puder comprá-lo, a companhia pagará multa altíssima.
No atual estágio da construção da usina de Belo Monte, ninguém acredita, mesmo entre seus opositores ferrenhos, que será possível interrompê-la. O temor é a construção de mais seis barragens e usinas rio acima. A capacidade instalada da casa de força da nova hidrelétrica será suficiente para iluminar uma cidade de 18 milhões de habitantes
Belo Monte tem 11.233MW de capacidade instalada, mas vai gerar 4.571MW em média ao longo do ano, por ter reservatório pequeno. Se as outras barragens e usinas fossem concluídas, porém, seria possível elevar muito sua capacidade, porque, na época de estiagem, a água armazenada rio acima poderia ser liberada. É o que acontece hoje em Itaipu, que conseguiu gerar 94,27MWh por ano, na média dos quatro melhores anos, rendimento superior à hidrelétrica de Três Gargantas, na China, a maior do mundo. (Colaborou Antonio Timóteo)
Geração foi ajustada a impacto ambiental
Com a intenção de evitar o alagamento de áreas indígenas e reduzir o impacto ambiental, o reservatório de Belo Monte diminuiu para 503 km². A geração média ficará em 4.571 MW ao longo do ano. “Costumo dizer, como engenheiro e como brasileiro, que as gerações futuras vão nos cobrar: por que vocês instalaram tantas máquinas e não estão usufruindo da capacidade de geração de energia?”, diz Kelson Filho, diretor da obra. Os ambientalistas também questionam gastar tanto dinheiro para uma usina que será limitada em sua capacidade. Mas acham que, em vez de fazer o dobro, o melhor seria fazer nada. Copo meio cheio ou meio vazio, Belo Monte não é vista por ninguém como a solução ideal.
Mesmo limitada, a hidrelétrica será a maior usina exclusivamente brasileira - já que Itaipu é dividida com os paraguaios -, e poderá ser a recordista nacional em geração. Tucuruí, atualmente no topo do ranking, tem capacidade instalada de 9.000MW. A energia firme tem ficado em 4.140MW anuais.
A obra de Belo Monte, que vai até 2019, tem custo previsto de R$ 25,9 bilhões, dos quais R$ 22,5 bilhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Desse total, R$ 3,7 bilhões são destinados a ações de compensação ambiental e social.
No inverno amazônico, que corresponde ao verão e ao outono no restante do Brasil, a usina terá geração perto da capacidade máxima. Grande parte dessa energia viajará 2.100km até Estreito (MG) por uma linha de 800.000 volts, a mais poderosa do país, o que evitará perdas no caminho. Assim, se integrará ao sistema do Sudeste, a região de maior consumo, economizando água dos reservatórios no período em que essa região enfrenta seca – exatamente quando sobra água no Norte do país.
Nos outros meses, a geração de Belo Monte diminuirá. Poderá chegar a zero, ou muito perto disso, durante vários meses na casa de máquinas principal. A de Pimental, onde ficará a barragem de 7km do Xingu, aproveitará a água que precisa ser liberada para não secar a curva do rio. Os 233MW das oito turbinas de Pimental são pouco se comparados à capacidade de Belo Monte, a casa de máquinas principal. Mas equivalem ao total da usina inteira de Balbina, ao Norte de Manaus, que possui um lago de 2.360 km² - o dobro do que Belo Monte teria na pior das hipóteses.
Compensações vão ao tribunal no DF
A 2 mil km de Brasília, há muita gente atenta às decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A 5ª turma da corte com sede no Distrito Federal mandou várias vezes interromper a obra de Belo Monte, em decisões mais tarde revertidas. Para o Ministério Público da União, a Norte Energia, dona da usina, e os órgãos públicos responsáveis por fiscalizar a obra têm sido negligentes quanto às compensações ambientais e sociais previstas. Na decisão mais recente do TRF, no mês passado, determinou-se prazo de 90 dias para que se demonstre o cumprimento das condicionantes.
O diretor socioambiental da Norte Energia, João dos Reis Pimentel, nega que haja atraso. “É uma questão de interpretação. As compensações são feitas ao longo da construção da usina. Várias já estão prontas e outras, prestes a ser entregues”, afirma.
A empresa diz já ter construído 48 escolas na região e quatro unidades básicas de saúde em Altamira. Até metade do ano, segundo a empresa, Altamira e Vitória do Xingu terão redes de abastecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgoto. As adaptações em cada domicílio para a ligação à rede ficarão por conta do morador.
As pessoas que moram em palafitas de madeira na orla do Xingu em Altamira estão sendo removidas para conjuntos habitacionais. A área em frente ao Xingu será reurbanizada. Entre os que estão trocando de endereço, porém, há queixas de outra ordem. Márcia da Silva, 22 anos, aposentada por invalidez, espera, em sua palafita, pela casa nova, e lamenta não poder levar para o novo bairro a pequena bicicletaria do marido, que garante renda extra à família. “Lá não pode ter comércio”.
Eliana Costa, desempregada, já se mudou. A família, com vários irmãos casados, ocupava uma casa grande na orla e ganhou cinco imóveis de alvenaria de 63m². Ela relata ter enfrentado problemas com a qualidade da construção recém-entregue, incluindo o encanamento. E queixa-se da localização. “Aqui é o fim do mundo. Não há ônibus e é preciso caminhar duas horas para chegar ao centro da cidade”.
Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) impede a construção de novas usinas no Xingu, mas é uma decisão que está bem longe de ser irreversível. "Agora isso não vai ser feito. Mas e daqui 20 anos?", indaga o biólogo Rodolfo Salm, professor do campus de Altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA). Com a diversidade de fontes possíveis de energia, o Brasil tem hoje 3.600MW de energia eólica. Até 2025, a capacidade de geração de eletricidade a partir dos ventos chegará a 60.000MW. (PSP)