A intenção de compras dos moradores de Belo Horizonte atingiu o nível do pessimismo pelo 20º mês seguido, reforçando o desânimo de empresários do comércio e de serviços, setores que respondem por 70% do Produto Interno Bruto (PIB) da capital. É o que mostra o Índice de Confiança do Consumidor (ICC), elaborado pela Fundação Ipead/UFMG e que sintetiza a opinião dos habitantes em relação a diversos aspectos conjunturais capazes de afetar suas decisões de compras nos próximos três meses. O indicador oscila de zero a 100 pontos, onde a nota mínima representa o pessimismo total e a máxima, o otimismo completo. A fronteira entre os dois é a pontuação 50.
Os últimos 20 ICCs ficaram abaixo dessa margem. O mais recente, que se refere a setembro e trata da possibilidade de consumo para o período de outubro a dezembro, atingiu 45,97 pontos, abaixo do apurado em agosto (46,34). Como o indicador representa a intenção de compra para os próximos três meses (outubro a dezembro), o resultado sugere que o Natal, a principal data do calendário do varejo, será magro. Este ano, a melhor nota foi apurada em janeiro (46,71). Já a pior ocorreu em maio (41,62). Esse último resultado dimensiona o nível do pessimismo dos consumidores da cidade, uma vez que o mês tem uma data com forte apelo às compras, o Dia das Mães.
“O consumidor da capital sente os reflexos da economia nacional. Da forma como o índice está em 2014, dificilmente o ICC irá atingir os 50 pontos nesse exercício. A última vez que observamos um otimismo na pesquisa foi em janeiro de 2013 (50,50 pontos)”, disse a economista Thaize Vieira Martins Moreira, da Fundação Ipead/UFMG. Ela esclarece que, na prática, o ICC permite ao empresário avaliar a expectativa do consumidor com o objetivo de planejar o futuro do comércio: estoques, contratações e aportes.
Inflação
Vários indicadores justificam o desânimo dos consumidores da capital. Um deles é a inflação em alta: o Índice de Compras ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 6,75% no período dos últimos 12 meses, encerrados em setembro. O percentual está acima do teto da meta estipulado pela equipe econômica do Palácio do Planalto para 2014 (6,5%) e distante do centro da meta para o mesmo período (4,5%). Ainda há a disparada dos juros nos últimos meses. Para se ter ideia, a Selic, a taxa que dita o ritmo dos juros no Brasil, passou de 7,25% em março de 2013, quando atingiu a mínima histórica, para 11% em abril de 2014. Os juros permanecem nesse patamar.
A advogada Graziella de Castro Silva evita financiar suas compras justamente para não pagar juros exorbitantes. A melhor dica para economizar, acrescenta ela, é ter educação financeira. “É melhor a pessoa guardar o dinheiro até o valor suficiente para comprar o que deseja. Dessa forma não irá pagar juros. É válido lembrar que os juros no Brasil são um dos mais altos do mundo. A pessoa tem que ter educação financeira. Evito até o cartão de crédito.” As compras a prestação com a moeda de plástico podem virar uma bola de neve para o cliente que atrasar o pagamento do cartão.
Os juros cobrados pelas operadoras de moeda de plástico tiveram alta de 143,4% no acumulado de janeiro a setembro deste ano. No período de 12 meses, encerrados em setembro, o percentual é de 218,5%. A escalada da inflação e a dos juros comprometem o orçamento familiar, prejudicando o varejo. Tanto que o comércio da cidade registrou o pior primeiro semestre em vendas dos últimos cinco anos. Estudo divulgado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) concluiu que as vendas de janeiro a junho de 2014 subiram 1,9%. O percentual foi menor do que o de 2013 (3,99%), o de 2012 (6,75%), o de 2011 (6,06%), o de 2010 (6,1%) e o de 2009 (3,9%).
Tal queda já era esperada. Pelo menos é o que sinalizou levantamento da IPC Marketing Editora, especializada em estudos sobre demografia e consumo e cujos trabalhos levam em conta apenas o potencial de compra das famílias, desprezando as reservas das pessoas jurídicas. A empresa concluiu que o potencial de consumo dos moradores de BH neste ano será 2,5% inferior ao do ano passado. O percentual, embora possa parecer pequeno, representa uma queda em torno de R$ 1,52 bilhão, ou seja, de R$ 60,649 bilhões para R$ 59,129 bilhões no período de comparação.
A desaceleração no consumo já atingiu as contratações temporárias. A estimativa da CDL-BH é que o aumento nesse tipo de contingente para as compras de fim de ano fique em 1,5%, abaixo dos 2,5% apurados em 2013. “Este ano as contratações devem começar na segunda quinzena de outubro. Tradicionalmente, começam em setembro”, informou a entidade em nota.
Composição do ICC
O índice é composto por seis subindicadores, os quais também oscilam de zero a 100. Quatro deles obtiveram nota inferior a 50: inflação (27,62), situação econômica do país (36,25), pretensão de compra (47,50) e emprego (47,98). Os outros dois superaram a fronteira, mas não foram suficientes para puxar o indicador geral para o alto: situação financeira da família em relação ao passado (52,62) e situação financeira da família (59,70).
Carros e imóveis nos sonhos
O ICC traz dados curiosos sobre o consumo na capital. Embora o índice tenha ficado no nível do pessimismo, o indicador mostra aos lojistas o que as pessoas desejam comprar nos próximos meses. E detalha a intenção de consumo por sexo. Tantos os homens quanto as mulheres planejam adquirir, em primeiro lugar, roupas e calçados (veja quadro).
A diferença ocorre na próxima opção de compras. Eles (14,85% das respostas) planejam comprar veículos. Elas (11,01% das entrevistadas) querem uma moradia. Essa é a terceira resposta para os homens (9,95), enquanto o veículo é a quarta das mulheres (6,42%).
O setor de veículos em Minas não anda num ritmo veloz. “O mercado teve retração recente em função dos constantes aumentos nas taxas de juros, o que gerou restrições ao crédito. O período da Copa do Mundo foi outra influência pontual, bem como a incerteza política com as eleições. Passadas esses momentos, acredito no reaquecimento do mercado de carro zero e seminovo com a proximidade do final de ano”, disse Camilo Lucian, presidente do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos de Minas Gerais (Sincodiv-MG).
Os juros altos afetam o setor em razão do considerado volume de compras a prazo. “A modalidade de compra financiada é a mais procurada e o percentual de vendas à vista e financiada de veículos depende do tipo de público e de cada marca. No segmento de carro popular, por exemplo, de 70% a 80% das vendas são financiadas”, acrescentou. Ele, porém, acredita numa melhora nas vendas: “As condições para compra estão melhorando e o último trimestre do ano será marcado por fortes promoções. Muitas empresas, inclusive, já estão promovendo feirões.”
O mercado de imóveis também sentiu os efeitos da economia. No ramo de aluguéis, por exemplo, Cássia Ximenes, vice-presidente da CMI/Secovi-MG, destaca que “em um ano de grandes eventos no país, como a Copa do Mundo e as eleições presidenciais, estava prevista certa instabilidade do mercado como um todo, inclusive no imobiliário”. Ela avalia que “o reflexo disso é uma acomodação de preços na área de aluguéis, embora notoriamente haja um aquecimento na locação de imóveis comerciais”.
Apesar disso, a compra de imóveis para aluguel é um dos melhores investimentos no país. “Além do rendimento mensal do valor do aluguel, o qual é corrigido anualmente, o proprietário ainda ganha com a valorização do imóvel, que é constante. O ideal é diversificar a carteira com imóveis residenciais e comerciais”, afirma.