Em julho de 1994, quando o real entrou em circulação, Fernando Henrique Cardoso propagandeou que todo brasileiro passaria a ter condições de comer carne. O então presidente da República se referia ao fato de o quilo do frango, um dos símbolos da atual moeda, custar naquela época R$ 1. De lá para cá, o real cumpriu seu papel de pôr fim a uma inflação galopante, a qual havia atingido quase 2.500% em 1993. Por outro lado, na Grande Belo Horizonte, justamente as famílias menos abastadas são as que mais sentem os efeitos da disparada dos preços.
Enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação dos domicílios com rendimento de um a cinco salários mínimos (R$ 3.940,00), acumula avanço de 416,93% na era do real, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que calcula o mesmo indicador nas famílias com renda de até 40 pisos (R$ 31.520,00), aumentou 406,35% em igual intervalo. Ambos indicadores são elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e, no caso da capital mineira, com apoio da Fundação Ipead/UFMG.
No acumulado dos últimos 12 meses cheios, encerrado em janeiro, o IPCA na Grande Belo Horizonte subiu 6,27%. No mesmo período, o INPC foi a 6,57%. Esse último percentual superou o teto da meta da inflação nacional estipulada pelo governo federal para todo o ano de 2015 (6,5%) – o centro da meta foi fixado em 4,5%. Muitos economistas não descartam a possibilidade de o indicador superar o teto da meta no período de janeiro a dezembro, cenário que vem causando imensa dor de cabeça na equipe econômica do Palácio do Planalto.
Eduardo Antunes, economista da Fundação Ipead/UFMG e um dos responsáveis pelo cálculo de ambos os indicadores em BH e cidades vizinhas, avalia que um dos principais motivos de o INPC acumular crescimento superior ao do IPCA na rea do real se deve ao peso dos alimentos na composição desses índices.
“Tradicionalmente, o que mais pesa no INPC é o item alimentos. Teoricamente, ele pesa muito mais no orçamento mensal das famílias com menor renda que no IPCA. O ritmo desses produtos subiu mais do que os não-alimentares”. Nos últimos meses, sobretudo, em razão da forte estiagem que assola todo o país. Para se ter uma ideia, o INPC do grupo alimentação e bebidas aumentou 1,20% apenas em j aneiro último. O percentual foi superior ao do mesmo grupo do IPCA em período equivalente (1,19%).
A explosão dos preços dos alimentos na Grande BH pode ser medida, na prática, pelos preços praticados na unidade de Contagem da Ceasa Minas, o maior entreposto do estado. O valor da batata, por exemplo, saltou 73,3% entre janeiro de 2014 (R$ 0,90) e o mesmo mês de 2015. Em toada parecida, o do tomate longa vida subiu 47,2%, de R$ 0,89 para R$ 1,31. As duas mercadorias, nos últimos anos, estão entre os vilões da inflação. Alguns supermercados e sacolões na capital negociam o quilo do longa vida por mais de R$ 5.
Ricardo Fernandes Martins, chefe da seção de Informações de mercado da Ceasa Minas, explica que a situação do tomate e da bata inglesa é bem parecida: “Parte da culpa foi da estiagem. No caso da batata, o produto vinha de uma sequência de preços muito baixos, portanto, houve redução da área plantada. Ou seja, menor oferta no mercado. A médio prazo, o preço deve cair, pois o produtor fica estimulado com o atual valor”.
Ele acrescenta que, em relação ao tomate, as altas temperaturas estimulam o consumo de saladas: “E o tomate é um dos principais ingredientes”. Novamente, destaca o especialista, entra em cena a lei da oferta e da procura. “Temos que torcer para o clima dar uma ajudinha, porque a situação está complicada”.
INPC NA ERA DO REAL
Cidade INPC IPCA
Belo Horizonte 416,93% 406,35%
Rio de Janeiro 432,54% 421,64
São Paulo 396,95% 363,02
Goiânia 396,89% 372,70
Recife 388,61% 389,84
Belém 397,61% 419,18
Brasília 368,67% 382,52
Curitiba 375,08% 392,29
Porto Alegre 363,87%
Salvador 362,63% 360,16
Fortaleza 351,32% 356,03
Fonte: IBGE
O VAIVÉM DO INPC
Julho a dezembro de 1994 20,24%
1995 21,80%
1996 10,12%
1997 4,89%
1998 2,69%
1999 7,73%
2000 6,24%
2001 7,80%
2002 13,95%
2003 12,09%
2004 8,50%
2005 5,35%
2006 4,56%
2007 7,07%
2008 4,92%
2009 3,86%
2010 5,74%
2011 6,15%
2012 6,32%
2013 5,65%
2014 6,04%
Janeiro de 2015 1,29%
Fonte: IBGE