Tão sonhadas por aqueles que apostavam que, estudando nelas, os filhos teriam um futuro melhor, as escolas particulares estão, agora, pesadas demais para o orçamento. Com o aumento do desemprego, a inflação fora de controle e economia em retração, a inadimplência de pais e alunos chega a 50% em algumas escolas de Belo Horizonte. Alguns pais, inclusive, sem perspectiva de arcar com as mensalidades atrasadas, já estão transferindo as crianças para a rede pública e, contrariados, lamentam a mudança.
De acordo com o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinepe/MG), a inadimplência nas escolas privadas do estado girava em torno de 5% no fim do ano, em média. Para 2015, no entanto, a entidade estima que esse índice possa chegar a 12%. O maior risco, segundo o sindicato, é o de muitas unidades, incluindo aí algumas instituições de ensino superior, fecharem as portas ainda em 2015.
No início deste ano, o marido da funcionária pública Daniela Ferreira perdeu o emprego na construção civil. A filha, de 9 anos, estudava em uma escola particular da cidade, onde a mensalidade custava cerca de R$ 500. A família não conseguiu manter a menina na instituição. “Além da mensalidade, que apertava no orçamento, tinha ainda o transporte escolar e a alimentação. Não teve jeito. Tive que transferi-la para a rede pública”, conta Daniela. Ela diz que a garota não está gostando da mudança. “É muito diferente e foi um baque para ela. Tento confortá-la, dizendo que é só um momento passageiro, e que, quando nos restabelecermos financeiramente, vamos voltar para a rede privada.” Até o momento, o marido de Daniela ainda não conseguiu recolocação, mas está em busca de uma nova oportunidade.
Essa situação vem tirando o sono de muitos gestores educacionais. De acordo com o sindicato, a inadimplência vem avançando a passos largos, especialmente em escolas com mensalidades mais baixas, onde a maioria dos alunos vem da classe C. “Os efeitos da retração econômica brasileira trouxeram impactos maiores nas escolas com mensalidades mais baixas. Isso porque os valores foram justamente o que atraiu, nos últimos anos, as crianças da classe C, que estava em ascensão no país. Porém, com o cenário econômico atual, essa faixa social está sofrendo muito e, com isso, aumenta a inadimplência”, ressalta o presidente do Sinepe/MG e também membro do Conselho da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Particular, Emiro Barbini. “Quanto menor a mensalidade, maior a inadimplência”, completou.
Cobrando R$ 487 de mensalidade, a escola Canto Verde, no Bairro Betânia, na Região Oeste da capital, vem sofrendo com as dívidas dos pais de alunos. “Têm crescido muito. Para se ter uma ideia, chegamos a 50% de inadimplência entre pais que nunca atrasaram as mensalidades. Agora, eles estão devendo ao menos dois meses”, comenta a coordenadora pedagógica da Canto Verde, Andressa Costa. A escola oferece ensino infantil e fundamental, com crianças de 2 a 10 anos, e é uma das mais caras no bairro. “Cerca de 80% dos nossos clientes são dos bairros Buritis e Estoril, que ficam na mesma região”, destaca.
Diante da inadimplência crescente, Andressa confessa que a escola fica sem respaldo. “Estamos tentando negociar com os pais. O que ocorre é que muitos têm buscado vagas nas escolas públicas e dizem que, quando estiverem restabelecidos financeiramente, vão voltar com as crianças”, conta Andressa. O número de alunos na Canto Verde vem diminuindo. “Atualmente, contamos com 200, mas já chegamos a ter 320”, compara.
MIGRAÇÃO De acordo com Emiro Barbini, a tendência é realmente uma migração para o ensino gratuito, já que muitos pais, hoje, estão sofrendo ou temendo o desemprego. “Os diretores estão todos apreensivos, sabem dos pais de crianças que já perderam o emprego e os alunos estão sumindo das salas de aula particulares”, lamenta, lembrando que, nos últimos anos, esse tipo de ensino cresceu 7% ao ano em Minas e, agora, tende à estagnação.
No Instituto Pedagógico Valéria Marinho, entre os 100 alunos matriculados, 50 já possuem mensalidades em atraso. “São dívidas que vêm de abril, maio e junho”, comenta a responsável pelo estabelecimento, Vanessa Marinho. Ela diz que a escola funciona há nove anos no Bairro São Paulo, e atende crianças de 2 a 9 anos. Segundo ela, com os atrasos nos pagamentos, o instituto vem tentando economizar no que pode. “Não tenho como cortar funcionários. Nossa economia tem vindo do corte de serviços básicos, como a lavagem da escola e a conta de luz. Não temos de onde tirar dinheiro para suprir as dívidas”, desabafa.
Faculdades já sentem o baque
Enquanto no ensino infantil e fundamental a inadimplência alcança percentuais assustadores, no ensino superior a realidade também é dura. Segundo o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais, Emiro Barbini, nesse tipo de ensino, a taxa de inadimplência já atinge 40%. Um dos motivos que incrementaram o prejuízo são as mudanças no sistema do Programa de Financiamento Estudantil (Fies) do governo federal , que reduziu, este ano, o número de vagas ofertadas. Com isso, muitos alunos que contavam com a bolsa ficaram sem ela.
“É a primeira vez que as escolas particulares enfrentam uma crise tão forte como essa. Se a situação não melhorar, como tem ocorrido em outros setores, muitas portas vão fechar”, alerta Emiro Barbini, presidente do Sinepe/MG e também membro do Conselho da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Particular. Segundo ele, nas instituições de ensino superior, a situação ainda é mais dramática para o aluno que paga a própria mensalidade. “A maioria trabalha de manhã e estuda à noite. Com o aperto financeiro, ou porque está desempregado, acaba devendo a escola”, diz Barbini.
No Centro de Gestão Empreendedora Fead, a inadimplência já atingiu os 26%. “Houve um aumento de 7% na quantidade de mensalidades atrasadas em relação ao mesmo período do ano passado”, afirma o diretor administrativo da instituição, Rodrigo Brina. Segundo ele, como a escola não pode reter o documento do aluno ou negar a transferência dele – além de cobrar juros de 1% ao mês e multa de 2%, considerados baixos –, os inadimplentes preferem quitar outros pagamentos em atraso. “Geralmente, as pessoas tendem a pagar dívidas que a incomodam mais. Por exemplo, um banco, que liga e faz a cobrança insistentemente é atendido mais prontamente que um estabelecimento que não cobra ostensivamente”, comenta o consultor financeiro Erasmo Vieira.
Segundo Rodrigo, as mudanças no Fies também são determinantes para o avanço da inadimplência. “A entrada no ensino superior ficou difícil para uma parte da população. Agora, o governo está exigindo para o programa a nota máxima para as faculdades, sendo que a maioria delas não tem esse conceito. Por isso, acho que, no semestre que vem, a inadimplência vai piorar ainda mais”, comenta.
Para se adequar a essa realidade, a Fead, por exemplo, está fechando cursos, como os de agronomia e zootecnia. “O fechamento será gradativo e, além disso, vamos sair do Bairro Funcionários e nos mudar para uma região mais central”, revela Rodrigo, revelando que as mudanças na instituição começam no próximo semestre.