Mal arrefeceu o conflito dos taxistas com o Uber, serviço on-line de transporte em grandes cidades, surge nova polêmica em Belo Horizonte envolvendo o uso de aplicativo de celular em atividades até então dominadas por empresas ou profissionais estabelecidos. Chegou à cidade o serviço de entrega colaborativa de mercadorias e documentos, que conecta num clique ciclistas, motoqueiros, os próprios taxistas, motoristas e quaisquer proprietários de veículos com os destinatários em poucas horas. Sem vínculo empregatítico, cerca de 500 pessoas em BH já se tornaram colaboradoras da empresa que desenvolveu o programa, a Shippify. Os ganhos alcançam R$ 800 por semana pelo trabalho, o equivalente a mais de 70% dos rendimentos de um motoboy com carteira assinada.
Quem colabora comemora a novidade e diz que o bico vale a pena, mas representantes dos motoboys não estão satisfeitos com os novos concorrentes e alegam que o mercado vai se tornar perigoso demais daqui para frente. Segundo o equatoriano Miguel Torres, cofundador da empresa responsável pelo aplicativo, o projeto nasceu da necesidade de imprimir rapidez e criar logística eficiente nos serviços de entrega. “Era um empresário de porte pequeno e observava que a chegada de um produto a uma mesma cidade demorava sete dias ou mais. E era um absurdo isso”, afirma.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas e Ciclistas de Minas Gerais, Rogério Lara, vai logo rebatendo: “Isso tem que ser regulamentado”. Para ele, não há confiabilidade total no serviço on-line prestado aos usuários em BH, além de a concorrência prejudicar a profissão dos motoboys. “A pessoa que trabalha com motofrete na cidade tem de estar regularizada e obter registro na prefeitura e na BHtrans. Esse aplicativo é um mercado perigoso, porque a legislação proíbe que haja um prazo de entrega, justamente para não haver um excesso de velocidade dos motociclistas”, sustenta.
Rogério enfatiza o fato de o trabalho exigir pessoas habilitadas. “Surge um novo Uber, porém, sem exigir um carro de luxo”, critica, em referência ao serviço on-line de transporte. Outro questionamento é quanto ao risco que o cliente correria se o prestador do serviço de entrega não conhece o entregador. “É uma porta aberta para a criminalidade”, diz.
Rebate a afirmação o cofundador da Shippify Miguel Torres, ao afirmar que a empresa pede a documentação dos colaboradores e o endereço de residência. De acordo com Lucas Grossi, um dos sócios locais do serviço, primeiro, foi criado um grupo de WhatsApp, por meio do qual foram buscados colaboradores. “Testamos o que poderíamos desenvolver em BH. Com as informações, trabalhamos junto à equipe do Equador no desenvolvimento de um aplicativo de celular que funciona exatamente como aqueles usados por motoristas de táxi ou Uber”, afirma.
Até juiz
A ideia do negócio foi trabalhar, a princípio, com empresas de e-commerce (vendas on-line) com sede na capital mineira. Elas vendem desde comida congelada, vinhos e roupas a bichos de pelúcias pela internet, pagando mensalmente à startup pelo serviço de entrega. A rede de entregadores é composta de ciclistas que pedalam pela cidade por hobby, pessoas que trabalham com fretes, taxistas, motoristas do Uber e, segundo os empreendedores, até uma juíza faz parte do grupo.
Defendendo a tese de que qualquer interessado pode estabelecer o tempo de dedicação ao serviço e embolsar boas quantias em poucos dias, a Shippify, empresa especializada na entrega colaborativa, surgiu no Chile. Em busca de uma solução para o tempo longo de espera e contando com o serviço de tecnologia de outros sócios que vivem no Equador, Torres fundou a Shippify e a trouxe para o Brasil, onde sabia que os serviços de entrega também era deficitários, além da oportunidade que ele viu na crise econômica para quem quissesse fazer bicos. A empresa desembarcou no país neste ano e atua no Rio de Janeiro e em São Paulo, além da capital mineira, onde mantém sua sede.