São Paulo, 07 - A erosão do resultado primário (economia para pagamento dos juros da dívida pública) nos últimos anos, somada com a alta da taxa de juros e os gastos bilionários do Banco Central com o programa de swap cambial (venda de dólares no mercado futuro), levou a uma explosão do déficit nominal - que significa em quanto as despesas, incluindo gastos com juros, superaram as receitas - do governo. O rombo saiu de 3,28% em 2013 para 9,34% do PIB no acumulado em 12 meses até setembro deste ano, recorde da série histórica.
Obviamente, o ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic), que saiu de 7,25% em março de 2013 para o nível atual de 14,25%, colabora para o aumento do déficit nominal. Do déficit de R$ 536,2 bilhões em 12 meses até setembro, a conta de juros responde por R$ 510,6 bilhões. Mesmo assim, especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, apontam que o principal motivo para essa deterioração no resultado nominal é a reversão do superávit primário para déficit.
“O grande problema hoje é o primário. Se o governo entregar algum superávit primário, poderá ter taxas de juros menores a longo prazo e o Banco Central poderá reduzir a Selic”, diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida. “Um dos principais fatores do aumento do déficit nominal é a não recorrência do primário. Nos últimos anos, o primário vem caindo, e ainda tem a questão das pedaladas, o que mostra que aqueles resultados não eram recorrentes”, diz o sócio e diretor de renda fixa da Absolute Investimentos, Renato Botto.
Para Botto, qualquer tentativa de reduzir o déficit nominal pela conta de juros dará errado. A única alternativa, segundo ele, é gerar superávits primários relevantes e recorrentes, o que ajudará a trazer a inflação para baixo e diminuirá a importância dos juros. “Nosso passado recente mostra que não se pode baixar os juros na marra. Parte da Selic atual é resultado de quando a taxa foi reduzida artificialmente para perto de 7%”, diz Marcel Balassiano, economista do Ibre/FGV.
Mansueto lembra que o Brasil é um dos poucos países que usam primordialmente o resultado primário, já que o nível muito elevado de gastos com juros acabava escondendo a ação do governo quando se analisava o número nominal. “Só que agora o primário mostra que não estamos avançando com o ajuste.”
Swap
Em artigo recente, o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e sócio da Schwartsman & Associados, Alexandre Schwartsman, aponta que, na conta de juros, entram também as perdas derivadas da intervenção no mercado de câmbio futuro, que atingiram R$ 132 bilhões nos 12 meses até setembro, representando cerca de 2,3% do PIB. “O swap tem uma relevância muito grande, e ele é um fator transitório, então isso é um aspecto relativamente positivo”, diz Balassiano.
Mansueto Almeida também chama a atenção para esse fato. Para ele, isso significa que, se a taxa de câmbio ficar relativamente estável no próximo ano, o déficit nominal poderá ser reduzido em quase 2 pontos porcentuais. Mesmo assim, os analistas consideram muito otimista a projeção do governo de reduzir o déficit nominal para 5,01% do PIB em 2016, dos 9,47% estimados para este ano.
“Ainda que houvesse uma reversão de um déficit primário de 1% do PIB este ano para um superávit de 1% em 2016, o que tiraria 2 pontos do déficit nominal, o BC teria de zerar o prejuízo com swaps ou reduzir juros, e não me parece que eles vão fazer isso”, afirma Nelson Marconi, da Escola de Economia de São Paulo da FGV.
O sócio-diretor da Canepa Asset Management, Alexandre Póvoa, diz que seria interessante o BC reduzir o estoque de swaps, mas aponta que isso é complicado no atual contexto, com inflação elevada e instabilidade macroeconômica. O mesmo vale em relação à possibilidade de zerar o estoque de pedaladas. “A teoria ‘vamos limpar tudo’ é muito boa quando a situação está controlada. Agora, a situação é muito instável para isso.”
Resultado operacional
Em seu artigo, Schwartsman argumenta que o déficit nominal cresceu, mas o resultado operacional, ou seja, ajustado pela inflação, não aumentou tanto assim nos últimos anos. Ele estima que, deduzindo do pagamento de juros a parcela referente à perda de valor da moeda por causa da inflação, a conta real de juros teria chegado a R$ 70 bilhões nos últimos 12 meses, ou seja, 1,2% do PIB, muito inferior ao observado nos dados oficiais, mesmo descontando a parcela dos swaps.
Marconi considera que esse conceito do resultado operacional é válido para acompanhar as despesas reais com juros. Entretanto, aponta que o impacto sobre a dívida pública se dá com base no déficit nominal integral, já que o governo de fato paga a correção monetária.
Perfil da dívida
Mesmo com o aumento da Selic nos últimos anos, o impacto sobre o déficit nominal não é tão grande quanto poderia ser graças à melhora no perfil da dívida, com o esforço do governo de reduzir a participação dos títulos atrelados à taxa básica de juros e aumentar a fatia da dívida prefixada. “Em 2002, o porcentual de títulos ‘selicados’ (atrelados à Selic) era de quase 40% (atualmente está em cerca de 21%), então o perfil da dívida, de fato, melhorou”, diz. Ele explica, no entanto, que, no momento atual de crise, é mais difícil para o governo se financiar com dívida prefixada, já que os investidores exigiriam uma taxa muito alta.
Botto, da Absolute, também vê uma grande melhora quando se compara a situação atual com o início dos anos 2000. “Hoje em dia, praticamente não existe mais dívida atrelada ao câmbio, o que seria explosivo com o movimento recente do dólar. Mesmo assim, nos últimos anos a ajuda vinda dessa melhora na composição da dívida é marginal.”
Já Marconi, da FGV, aponta que, apesar de o governo ter reduzido a fatia dos títulos atrelados à Selic, nos últimos dois anos, aumentou bastante o volume das chamadas operações compromissadas. O simples fato de o Tesouro ter de rolar essas dívida com mais frequência, pelo seu prazo curto, eleva os gastos com os juros pro rata, o que pressiona a dívida pública. “Quando se soma a compromissada com os títulos atrelados à Selic, a participação na dívida ficou praticamente estável nos últimos anos.” As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.