A polêmica envolvendo o uso do aplicativo de transporte Uber, em Belo Horizonte, já chegou à Justiça do Trabalho em Minas Gerais e pode ter um desfecho em poucos dias. Os motoristas – chamados de parceiros pela empresa – querem ser reconhecidos pelos juízes como funcionários da Uber, garantindo a eles todos os direitos trabalhistas previstos na legislação brasileira, tais como pagamento de férias, décimo terceiro salário, hora extra e depósito no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A palavra final sobre a primeira ação ajuizada na capital, datada de 30 de novembro do ano passado, será dada no próximo dia 6, quando está marcada a audiência para instrução e julgamento.
O argumento jurídico dos advogados para garantir a vitória é que a relação entre os motoristas e a Uber se encaixa nos cinco princípios necessários para configurar o vínculo de emprego: pessoa física; pessoalidade (somente o credenciado pode conduzir o veículo); onerosidade (o motorista trabalha mediante uma remuneração repassada pela Uber); não eventualidade (o serviço não é prestado de forma esporádica); e subordinação (é exigido, de forma unilateral, um padrão de atendimento e do veículo, por exemplo). Este último é o mais controverso entre os juristas e o principal ponto de defesa da Uber.
Na ação, que envolve um ex-motorista da Uber, os advogados alegam que não há dúvida sobre o vínculo de emprego entre o aplicativo e motoristas. “O não cumprimento de algumas regras gera suspensão das atividades dos motoristas. Isso caracteriza o quê? Não é uma parceira, mas uma relação de emprego”, alega o advogado trabalhista João Rafael Bittencourt Guimarães, que assina o processo. E o seu cliente foi desligado da Uber depois de oito meses rodando nas ruas porque não teria atingido uma nota de classificação mínima exigida pelo aplicativo. “Que contrato obriga a pessoa a bater meta? Isso é relação de emprego, sim”, completa.
Ainda segundo ele, outro argumento usado é que o passageiro faz o pagamento, via cartão de crédito, para a conta da Uber, que se encarrega de emitir a fatura e repassar o valor ao motorista. Logo, existe a onerosidade por parte do aplicativo. Foi realizada apenas uma audiência envolvendo o caso, quando não houve acordo entre as partes. A segunda está marcada para o dia 6, quando será feita a instrução e o juiz ouvirá as partes. Encerrada a audiência, ele ainda tem 10 dias para publicar a sentença.
Em nota encaminhada ao Estado de Minas, a assessoria de imprensa da Uber no Brasil pondera que não há por que falar em uma relação entre patrão e empregado no modelo de transporte. Até porque, para a Uber, os motoristas é que a contratam para “utilizar o aplicativo para angariar e captar clientes e prestar serviço de transporte individual privado de passageiros”. “Os motoristas parceiros são totalmente independentes e não têm qualquer subordinação à Uber. É possível recusar viagens, não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não é necessário justificar faltas, não existe chefe para supervisionar o serviço, e não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada de trabalho”, diz a nota.
Punição
Em relação à remuneração, a empresa alega ainda que os passageiros é que pagam os motoristas por cada viagem, cabendo a eles repassar ao aplicativo a taxa de serviço, que pode ser de 25% (UberX) ou 20% (UberBlack). “Ou seja, os motoristas parceiros usam a plataforma para benefícios individualizados, de forma independente e autônoma, de acordo com seu interesse e disponibilidade – não existem taxas extras, diárias ou compromisso com horas trabalhadas. Ele pode inclusive ficar meses sem se logar na plataforma, sem qualquer tipo de punição por parte da Uber”, continua a nota.
Mas as ponderações do aplicativo não convenceram os advogados trabalhistas. Pelo menos alguns deles. Tanto que novas ações serão apresentadas nas próximas duas semanas pelo advogado Bernardo Menicucci Grossi. E para ele, não resta dúvidas de que há subordinação na relação entre a Uber e seus parceiros. “De uma forma geral, a Uber interfere muito na autonomia do parceiro. O aplicativo coloca um padrão de atendimento, fixa unilateralmente o valor da tarifa e tem até uma forma de classificar os motoristas, que se não atingirem uma nota mínima são excluídos”, diz Bernardo Grossi, que já está na fase final de redação de ações envolvendo vários motoristas.
Derrota em tribunais dos Estados Unidos
A briga judicial não se limita ao Brasil. Nos Estados Unidos, a Uber se viu às voltas com uma ação envolvendo 385 mil motoristas dos estados da Califórnia e Massachusetts. Eles alegam que são empregados da companhia e querem o reembolso de despesas como a manutenção do veículo e gasolina. Estima-se que o ressarcimento poderia chegar a US$ 850 milhões.
Na tentativa de minimizar o prejuízo, a startup chegou a apresentar, em abril, um acordo para pagar US$ 100 milhões aos parceiros. No entanto, em 17 de agosto, o juiz americano Edward Chen rejeitou a proposta alegando que o valor não seria “justo ou razoável” para os motoristas.
Em um caso individual, a Comissão Trabalhista da Califórnia concluiu que a motorista Barbara Ann Berwick não era uma mera prestadora de serviço, mas uma funcionária da Uber, e teria direito a um reembolso de mais de US$ 4 mil. Para a Justiça trabalhista da Califórnia, a Uber trata seus parceiros como funcionários e tem responsabilidade sobre eles.
“O trabalho da autora era uma parte integrante da atividade das rés. As rés estão na atividade de prestar de serviços de transporte a passageiros. A autora realiza o transporte efetivo desses passageiros. Sem motoristas como a autora não existiria o negócio das rés”, diz trecho do parecer, que já foi questionado pela Uber.
Baseado nas ações coletivas, foi aberto um processo na Corte Distrital dos Estados Unidos, para o Distrito Norte de Illinois, divisão de Chicago, em que é pedido ao tribunal para classificar motoristas do Uber como empregados, em vez de contratados independentes, “recuperando horas extras não pagas e de compensação”, além de possibilitar o reembolso de despesas e pagamentos de gorjetas que ficam retidas pela Uber.
sem registro O modelo de negócio da Uber seria vantajoso justamente pelo fato de não registrar os motoristas como empregados, o que implicaria arcar com custos trabalhistas e onerar os preços praticados. A filosofia do aplicativo é justamente que os motoristas trabalhem com “liberdade e autonomia”.