São Paulo, 03 -A Caixa Econômica Federal está inflando o seu balanço com recursos recebidos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) dentro do programa Minha Casa Minha Vida. Desde 2009, estima o levantamento, ao menos R$ 15 bilhões foram lançados indevidamente no balanço da instituição, que concentrou os financiamentos subsidiados do programa habitacional.
O estudo intitulado "A contabilidade criativa no FGTS" é de autoria do economista Marcos Köhler. Especialista em políticas públicas, foi servidor do Ministério do Planejamento e do Banco Central. É consultor legislativo desde 2002. No momento está na assessoria econômica do senador José Aníbal (PSDB/SP).
Ao fazer uma análise dos balanços do FGTS, Köhler identificou que um grande volume de recursos são sacados do Fundo especificamente para pagar o chamado "subsídio financeiro" - espécie de subvenção criada para reduzir os juros dos financiamentos a famílias de baixa renda dentro do Minha Casa Minha Vida. Essa ajuda foi criada para deixar a prestação mensal da casa própria mais barata e caber no bolso do comprador.
A primeira é que os valores, apesar de serem pagos à vista, hoje, são engordados pelos juros do futuro. "O certo seria, como se diz no jargão da contabilidade, trazer a valor presente: descontar o efeito de juros, e isso faria com que o valor pago fosse bem menor", diz Köhler, que fez várias projeções para chegar a essa conclusão.
O segundo problema, na avaliação dele, é que a Caixa registra tudo de uma vez só no balanço, o que não é permitido. Pela circular 1.273 do Banco Central, que rege o Plano Contábil do Sistema Financeiro (Cosif), receitas e despesas devem ser registradas no período em que elas ocorrem (dentro do regime de competência, como se diz no jargão da contabilidade), e não na data do efetivo ingresso ou desembolso.
Pela regra que regula a sua concessão, o subsídio financeiro é calculado levando-se em consideração "a taxa de administração" que cabe à Caixa e "o diferencial de juros" ao longo de todo o período do financiamento, que pode se prolongar por até 30 anos.
Por causa disso, Köhler defende que o correto seria a Caixa criar no balanço uma conta em separado, para registrar que recebeu recursos do FGTS, mas que só se transformariam efetivamente em receita à medida que o mutuário fosse pagando as prestações. Assim, subsídio e receita ficariam ajustados.
Futuro
"A Caixa recebe um adiantamento que corresponde a parcelas de juros e taxas de períodos ainda não decorridos: isso caracteriza antecipação de receita futura e distorce o resultado presente. Trata-se de apropriação prematura da receita, que fere princípios contábeis usuais", diz Köhler. Para ele, não há dúvida.
"Essa prática inflou o balanço da Caixa, porque lançou como receitas presentes parcela de juros que só seriam recebidas no futuro. Em compensação, os resultados dos próximos exercícios não contarão com essas receitas", diz ele. Pelas suas projeções, é possível que, desde 2009, o total dessa superestimação tenha chegado a algo como R$ 15 bilhões.
O mais correto, porém, diz o economista, seria o FGTS não pagar à vista todo o valor. Por demandar cálculos com juros por períodos longos, podem ocorrer distorções no cálculo do valor presente do subsídio de um financiamento imobiliário. O desembolso antecipado, nesse caso, pode ser menor ou maior do que deveria ser de fato. Pelas estimativas de Köhler, no ano passado, a Caixa teria recebido cerca de R$ 560 milhões a mais do que deveria em subsídios do FGTS. Em compensação, se a taxa Selic no futuro cair muito, a Caixa terá tido prejuízo com o adiantamento das taxas de administração.
Detalhe histórico: o subsídio habitacional para a baixa renda vem sendo remodelado pelo Conselho Curador do FGTS desde os anos 90. Mas o atual arcabouço legal foi consolidado em 2006 e apresentado na época como um "Novo Modelo de Concessão de Descontos" de subsídios, preparando o terreno para o Minha Casa, Minha Vida, que seria lançado em 2009. As regras valem até hoje.