Não são só as regras de aposentadoria que mudarão com a reforma da Previdência. Desde que o projeto do governo foi divulgado, em novembro, as novas propostas relativas à pensão por morte têm sido uma das grandes preocupações dos trabalhadores brasileiros. Entre as mudanças, o governo pretende desvincular o benefício do salário mínimo e mudar a fórmula de cálculo, que voltará a ser pelo sistema de cotas, como era até meados dos anos 1990: 50% de cota familiar e 10% por dependente, não podendo ultrapassar 100%.
Embora o impacto certamente seja sentido com mais força pelos que têm rendimentos mais baixos, o pesquisador Rogério Nagamine, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (Ipea), lembra que a maioria dos beneficiários que acumulam pensão por morte com aposentadoria tem renda bem acima da média da população. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele afirma que 73% dessas pessoas estão entre as 30% mais ricas do país.
O valor médio que cada um dos 7,5 milhões de pensionistas recebe é de R$ 1.064,64, de acordo com o Boletim Estatístico da Previdência Social, quantia que respondeu por 22,4% dos gastos da Previdência Social em outubro. Somente naquele mês, a despesa com o benefício foi de R$ 8 bilhões. “No Brasil, a pensão por morte é cara”, pondera o secretário de Previdência Social, Marcelo Caetano. Segundo ele, o país gasta cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) com o benefício, enquanto países mais ricos e mais velhos gastam 1%.
PISO Atualmente, a pensão por morte não pode ser menor que um salário mínimo, o equivalente a R$ 937 neste ano. Esse vínculo deve mudar com as novas regras, alteração justificada por Caetano pelo fato de não se tratar de benefício substitutivo de renda, como a aposentadoria. “A pensão é um seguro. Por ter essa característica, não necessariamente precisa ser vinculada a um piso, que é o salário mínimo. Com uma pessoa a menos na casa, tem menos gastos com saúde, limpeza, vestuário”, explica.
Além do argumento jurídico, há o cultural. A realidade atual é diferente de quando a pensão por morte foi instituída, ressalta Rogério Nagamine, do Ipea. “Na década de 1960, quando surgiu a Lei Orgânica da Previdência Social, a participação da mulher era de 16% no mercado de trabalho. Hoje, está na casa dos 50%. É preciso repensar a Previdência em função desse movimento”, diz. O aumento da participação feminina se reflete na questão da acumulação de pensão com aposentadoria. Entre 1992 e 2015, a porcentagem de pensionistas que acumulavam pensão e aposentadoria triplicou: passou de 9,9% dos pensionistas – o que equivalia, na época, a 330 mil pessoas –, para 32,1%, ou 2,3 milhões.
A vedação de acúmulo, no entanto, não vale para os filhos menores de 21 anos, apenas para cônjuges ou companheiros. “Um órfão de pai e mãe pode acumular as pensões. Sempre há um tratamento diferenciado entre filho e cônjuge, até porque crianças não têm capacidade de geração de renda”, explica Marcelo Caetano. Ele lembra, ainda, que não há nenhum tipo de impedimento em acumular a pensão por morte com outros tipos de remuneração, como salário, por exemplo. Além disso, o tempo de vigência do benefício não muda com a reforma. Continua sendo vitalício apenas para pensionistas que tiverem 44 anos ou mais. Quem tiver abaixo de 21, por exemplo, recebe a pensão por três anos, como nas regras atuais.
Cálculo Com a reforma, o valor das pensões, em qualquer caso, passa a ser calculado de maneira diferente da atual, mas igual ao que era feito até 1995: por meio de cotas. A família do contribuinte recebe 50% do valor da aposentadoria por invalidez a que ele teria direito caso estivesse vivo mais 10% por dependente – ou seja, o mínimo a ser recebido é de 60%, e não pode ultrapassar 100%. Na opinião do consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, ex-secretário de Políticas de Previdência Social, a mudança é justa. “A pensão só equivale ao valor cheio em situações raríssimas fora do Brasil. Na maioria dos países, é uma proporção pequena”, compara.
Caso o dependente deixe de se encaixar nas regras para receber a pensão, a cota dele não é repassada aos outros dependentes. “A lógica por trás disso é que uma família tem os gastos fixos, que seriam cobertos pelos 50%. Se tiver quatro pessoas em vez de cinco, não dá para pagar quatro quintos do aluguel ou do condomínio, por exemplo. Já a parte que não é fixa, que varia de acordo com o número de dependentes, como alimentação e vestuário, entraria nos 10%”, explica o especialista em Previdência Kaizô Beltrão, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).