Brasília – Chegar à velhice tem sido doloroso para milhões de brasileiros. Depois de uma vida de trabalho e sacrifícios, os aposentados e pensionistas da Previdência não conseguem desfrutar de tempo livre com dinheiro no bolso. Dados exclusivos obtidos pelo Estado de Minas mostram que de cada 10 beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo menos seis estão endividados por meio da contratação do crédito consignado.
De acordo com a autarquia, dos 33,8 milhões de beneficiários, 20,05 milhões têm operações com desconto em folha. O número de segurados que têm parcela da renda comprometida com o pagamento de empréstimos pode ser ainda maior, já que o INSS não tem controle sobre outros financiamentos contratados pelos aposentados. Esse grupo já devia R$ 102,3 bilhões às instituições financeiras até janeiro último, segundo dados do Banco Central (BC).
A conta significa dizer que cada um dos endividados nessa linha de financiamento deve, em média, R$ 5.104,46. Esse valor é três vezes superior ao benefício médio pago aos segurados da Previdência em janeiro, que chegou a apenas R$ 1.240,65. O crédito consignado têm sido a galinha dos ovos de ouro das instituições financeiras. Enquanto a crise econômica destruiu milhões de empregos e levou os bancos a restringir a oferta de linhas de empréstimo, a demanda dos beneficiários do INSS só aumentou.
O estoque de empréstimos com desconto em folha de aposentados em pensionistas cresceu 15,6% nos últimos 12 meses encerrados em janeiro. Essa é a única modalidade de financiamento que não perdeu o fôlego diante da crise e que cresce acima de dois dígitos. A garantia de receber o pagamento diretamente do governo tranquiliza as instituições financeiras no sentido de elas manterem os juros estáveis e garante a menor taxa de inadimplência do país, de apenas 1,9%. Nos últimos 12 meses, a taxa encolheu 0,7 ponto percentual, de 31,4% ao ano para 30,7%.
No entanto, a facilidade para conseguir um empréstimo consignado é uma armadilha para quem não controla as finanças e tem prejudicado a vida de milhões de beneficiários do INSS. A pensionista Rita de Sousa Fernandes, 75 anos, é uma delas. Há dois anos, ela contratou financiamento com desconto em folha para pagar contas atrasadas. A operação comprometia R$ 175 do orçamento por 60 meses. Depois desse período de pagamentos e a abertura de margem para novo financiamento, pelos critérios do banco, com o aumento no valor do benefício, o gerente ofereceu nova proposta que foi prontamente aceita.
Sem qualquer controle sobre quanto paga mensalmente à instituição, Rita sabe apenas o valor que recebeu quando sacou o benefício porque estava com o comprovante da operação na carteira. Apenas R$ 913. Esse dinheiro é usado para pagar contas, comprar remédios e comida. Ela não se lembra da última vez em que comprou uma roupa. A filha e uma das netas, desempregada, e Rita tem sido o esteio da família. Com a perspectiva de mudança nas regras para concessão de benefícios, ela corre para solicitar um benefício por idade para pessoa com deficiência já que é cega de um olho.
Caso o texto que tramita no Congresso Nacional seja aprovado antes do requerimento, ela não terá direito a acumular os dois benefícios. "A vida não está fácil. Quem diz que a vida começa após os 60 está profundamente enganado", resume.
EXPLOSIVO O crescimento explosivo nas concessões de crédito consignado ocorreu durante as gestões do PT, que mantiveram o incentivo ao consumo mesmo após a deflagração da crise na economia. Em setembro de 2015, o Congresso Nacional autorizou os beneficiários do INSS a comprometer até 35% da remuneração com empréstimos com desconto em folha. O texto definiu que o limite adicional deve ser usado, exclusivamente, para o pagamento das despesas contraídas por meio de cartão de crédito.
Rendimento baixo agrava o problema
Um ano antes, em setembro de 2014, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) aprovou a elevação de 60 meses para 72 meses do prazo de pagamentos desses financiamentos. À época, o extinto Ministério da Previdência Social calculou que a medida resultaria em um incremento anual de R$ 23,7 bilhões no volume contratado pelos aposentados e pensionistas. O fato de os beneficiários do INSS estarem em situação de alto endividamento é um problema, avalia o coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine. Ele explica que com o comprometimento da renda, o que sobra é pouco para fazer frente ao aumento de despesas que a velhice traz. Em muitos casos, ressalta o especialista, os segurados fazem operações que chegam ao limite da margem consignável e não se dão conta de que a renda diminuirá significativamente. "Para quem ganha um salário mínimo ou o benefício médio é uma queda brutal", destaca.
Nagamine alerta para para o fato de que muitos segurados acumulam dividas além do consignado e isso agrava ainda mais o problema. Na opinião dele, tanto o limite da renda que pode ser comprometida com os empréstimos consignados quanto o prazo para pagamento das dividas precisa ser revisto pelo governo. "As parcelas vão se acumulando e tornam-se uma bola de neve. Essa situação também dificulta a recuperação da economia ", comenta.
A falta de educação financeira e de uma cultura previdenciária estimulam o crescimento do número de beneficiários e das dívidas contraídas no consignado, explica Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados e especialista em Previdência. Ele ressalta que muitos segurados, sobretudo aqueles que se aposentam por tempo de contribuição, requerem o benefício aos 55 anos, se mantêm no mercado de trabalho e têm incremento na renda.
Entretanto, observa Rolim, isso é uma armadilha porque os segurados aceitam se aposentar com benefício menor do que a renda futura, quando decidirem deixar de trabalhar. Com a crise econômica, muitos perderam o emprego e tiveram uma queda brutal dos rendimentos. E a maneira encontrada para tentar solucionar o impasse e manter as contas em dia é correr para o consignado. “Muitos passam toda a velhice pagando parcelas às instituições financeiras”, diz.
Rolim lembra que até 2012, enquanto ocupou a Secretaria de Políticas de Previdência de Social do Ministério da Previdência Social, de cada 10 beneficiários do INSS, apenas quatro tinham consignado contratado. “O crescimento do número de endividados é preocupante porque muitos aposentados têm sustentado as famílias nesse momento de crise. Alguns chegam a tomar empréstimos para parentes e amigos e são obrigados a assumir as dívidas. Isso ainda acontece mesmo com os alertas para os riscos de fazer essas operações nessas condições”, explica. Especialistas recomendam que o consignado não deva ser usado pelos beneficiários do INSS para consumir, mas somente em caso de emergência. O ideal, destacam os educadores financeiros, é que ao longo da vida, uma poupança seja formada para compensar a queda de renda que ocorre no momento da aposentadoria, já que existe um teto para os benefícios do INSS.