Um grupo se diverte enquanto fala do que mais odeia, na pequena sala improvisada com palco de teatro. Do lado de fora, em um cômodo amplo, duas pessoas ensaiam um samba com batuque e pandeiro. No segundo andar, subindo as escadas de madeira ladeadas por pinturas e desenhos, fica uma grande mesa de madeira, onde se avistam umas 12 pessoas praticando bordado enquanto jogam conversa fora.
O Arthur Bispo do Rosário, no Santa Tereza, mais parece uma república de amigos do que um centro de convivência de serviço referenciado, que abre as portas de segunda a sexta-feira para receber pacientes em tratamento psiquiátrico na rede municipal.
Esse caráter extrovertido e de liberdade – o portão é aberto, para que as pessoas entrem e saiam a hora que quiserem –, dá ao centro de convivência um aspecto semelhante a qualquer outro espaço artístico. Lá não há menções a terapias, não há profissionais de saúde, nem tratamento terapêutico. “A arte dentro do centro de convivência é uma ferramenta para o sujeito se expressar, se elaborar, pensar seu lugar no mundo e ter contato com seu potencial criativo e, a partir disso, as coisas ganham dimensões próprias”, conta Renata Corrêa, monitora de teatro do local. “Quando alguém se depara com seu potencial criativo é maravilhoso, porque essa qualidade é igualitária”, completa.
“Hoje, onde eu moro, ninguém me chama de louco. Não me chamam como louco, me chamam de artista”, conta Rogério Sena, de 51, que participa das oficinas do Arthur Bispo do Rosário desde a fundação, em 1992, ainda dentro dos muros do Hospital Raul Soares.
SERVIÇO REFERENCIADO O centro de convivência é mantido pela Prefeitura de Belo Horizonte e recebe cerca de 150 pessoas por mês, em oficinas como teatro, bordado, tapete, pintura, produção de vídeo, música e atividade física. “Aqui é um serviço referenciado para moradores da Região Leste. A pessoa está em algum tratamento mental e o profissional encaminha para cá. Aqui a gente não dá alta. As pessoas entram e saem a hora que quiserem”, explica Karen Zacheé, gerente da unidade.
As oficinas, ao longo das últimas décadas, têm ajudado pessoas a recuperar a autoestima, fazer amizades e recuperar seu espaço na sociedade. Ao lado da melhor amiga, Maria de Lourdes Oliveira, a Quinha, de 45 anos, a quem conheceu no centro, Carlos Alberto Santos aprendeu que amizade e afeto são fundamentais para encarar o dia a dia. Como ele mesmo define: “Eu acho que, hoje em dia, as pessoas no mundo lá fora são mais loucas do que a gente. Não sabem viver a vida. Eu acho que nós somos mais normais que eles ainda. Temos uma deficiência que pode ser tratada com remédio. Eles, não”.
Enquanto isso...
...EXPOSIÇÃO NO CIRCUITO LIBERDADE
Arthur Bispo do Rosário (1909-1989) foi um artista plástico sergipano, peça importante na discussão entre genialidade artística e loucura. Passou boa parte da vida internado em hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, sob diagnóstico de esquizofrenia. No centro que leva seu nome em Belo Horizonte, a arte é elemento pulsante e parte das obras produzidas lá está na exposição audiovisual Arte e loucura, nos museus do Circuito Liberdade, na Região Centro-Sul da Capital. A programação é extensa: no Centro Cultural Banco do Brasil, o destaque é a exposição Empresta-me seus olhos, até dia 29. O Memorial Vale traz diversas obras de arte visual até junho; a Biblioteca Pública Luiz de Bessa promove oficinas e exposições até 18 do mês que vem; e o Museu das Minas e do Metal faz exposições de fotografias feitas desde a década de 1970, em Barbacena, município da Zona da Mata conhecido por ter concentrado grande quantidade de unidades de tratamento psiquiátrico.