Estado de Minas Marina
Há 50 anos, cidade sustentável já estava na pauta de Oscar Niemeyer
Morador lembra passagem de Marighella pelo Noroeste de Minas durante a ditadura

'Meu pai, um sonhador, quis dar uma cidade à minha mãe'

Filha do empresário Max Hermann revela ao EM que cidade encomendada a Niemeyer marcou a vida de toda a família e que o projeto de vida do pai não é um tema 'agradável'

Luiz Ribeiro - Enviado especial , Renan Damasceno - Enviado Especial

Arquivo Pessoal
 As lembranças da Cidade Marina ainda entristecem a família de Max Hermann, investidor carioca de ascendência alemã que passou as últimas décadas de sua vida lutando para manter a posse dos mais de 90 mil hectares da Fazenda Menino, na zona rural de Arinos. A terra fazia parte de um espólio adquirido pelo empresário, que sonhava em erguer ali a cidade projetada por Oscar Niemeyer e presentear a esposa, Marina Ramona Gomes, com ela.


Hermann fez fortuna no ramo imobiliário e de importação e exportação, nas décadas de 1940 e 1950. Era figura presente nas colunas sociais dos jornais do Rio de Janeiro, então capital federal, e gozava de bom trânsito entre jornalistas, políticos e autoridades. O lançamento da Cidade Marina recebeu ampla divulgação, por ser assinado por Niemeyer, de quem Hermann era amigo e com quem compartilhava os mesmos ideais políticos. Ambos ligados ao Partido Comunista.   


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“Esse assunto não me é agradável.” Assim, Carmen Marina, filha de Max Hermann, iniciou a conversa com a reportagem do Estado de Minas, que conseguiu localizá-la para revelar mais detalhes sobre o fim da cidade autossustentável no sertão mineiro. “Meu pai, um sonhador, quis dar uma cidade à minha mãe como homenagem. Foram os mineiros da região que, infelizmente, a sabotaram.”


Pouco depois do lançamento do projeto, a Ruralminas – autarquia responsável pela reforma agrária no estado, extinta em 2015 –, declarou as terras da Fazenda Menino devolutas e liberou a invasão de posseiros com a promessa de regularizá-la. “Com isso, a área foi ocupada em prazo curtíssimo, o que inviabilizou o projeto”, comenta Aloysio, genro de Hermann. “Meu pai era um empresário bem-sucedido. Colocou seu tempo e dinheiro na fazenda”, lamenta Carmen.

PERSEGUIÇÃO E PRISÕES

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Não bastassem as lutas judiciais pela posse da fazenda, Hermann passou, a partir de 1964, a ser perseguido pelos militares. “Hermann era comunista, daí a ligação com Niemeyer. Era um idealista. Conhecia Marighella, Lamarca e contribuiu para a ação”, afirma Aloysio, que desconhece a passagem dos dois combatentes da luta armada pela fazenda.


Após o golpe militar, Hermann foi preso diversas vezes. “Nossos filhos até achavam que o avô era delegado, de tanto que a gente ia na delegacia”, conta o genro, que foi detido na única vez em que visitou a Fazenda Menino.

Marina morreu em 1969, aos 50 anos, acometida por câncer. Hermann, sem posses, passou a viver sob os cuidados de Carmen, que até hoje recebe oficiais de justiça devido a inúmeros processos de usucapião. Em 1987, segundo jornais da época, Hermann quis vender a área ao Incra, para reforma agrária, mas uma vistoria constatou que a área era imprópria para cultivo. Herrman morreu no ano seguinte. “Meu pai deu murros em ponta de faca. Lutou muito e morreu de decepção e tristeza.”

PRESENÇA DE MARINA


Mesmo que a cidade não tenha saído do papel, o nome de Marina ainda paira na memória da família e dos moradores da Fazenda Menino. Filha de espanhóis, Marina Ramona Gomes foi a segunda esposa de Max Hermann, anteriormente casado com Adriana Hermann, com quem teve três filhos. Marina, que daria o nome à cidade, também é o sobrenome da filha, Carmen, e também o nome de batismo das filhas dos ex-empregados Adão Machado e Geralda Brito.


SEM REGISTROS
A reportagem entrou em contato com a Fundação Niemeyer para questionar sobre a não execução do projeto do arquiteto. Segundo a fundação, “no arquivo documental existente na Fundação Oscar Niemeyer não existe nenhum registro ou informação que explique o motivo de não ter sido implementado o projeto da Cidade Marina, de autoria de Oscar Niemeyer.”