Brasília – Mais um livro de Monteiro Lobato entrou na mira do Instituto de Advocacia Racial (Iara). A entidade ajuizou ontem uma ação na Controladoria-Geral da União (CGU) contra Negrinha, livro de contos não infantis, publicado pela primeira vez em 1920. De acordo com o advogado e diretor do Iara, Humberto Adami, o livro não atende às diretrizes de aquisições do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), por trazer conteúdo racista e sexista, com uma nota técnica que contradiz o conteúdo da obra. O instituto é o mesmo que levantou a discussão, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre racismo no livro Caçadas de Pedrinho.
Ontem representantes do Iara e do Ministério da Educação se reuniram para tentar um acordo que possa ser apresentado ao Supremo. O encontro, entretanto, terminou sem consenso. As partes têm até 5 de outubro para subsidiar o ministro Luiz Fux, que vai decidir se leva o tema ao plenário do STF.
Segundo Adami, os dois livros são repletos de citações racistas e o processo contra Negrinha veio para fortalecer a primeira ação. No processo contra Caçadas de Pedrinho, o ministério alegou que o material tinha sido adquirido em 2003. Agora, o instituto encontrou um livro comprado recentemente, entre 2009 e 2010, que também apresenta conteúdo supostamente racista. Adami descreve que a personagem Negrinha sofre castigos diários da patroa sem explicar que isso não pode ser feito. Além disso, a apresentação da obra diz que Negrinha é “um conto que põe por terra a ideia de que Monteiro Lobato era racista”.
“Há cenas de racismo e a apresentação ainda nega. Essa nota, elaborada pela editora, tinha que ter sido apurada pelo ministério”, critica Adami. “O PNBE tem princípios a obedecer. Não pode comprar obras didáticas com dinheiro público que tenham preconceito e estereótipo”, acrescenta. A expectativa do instituto é de que o MEC seja julgado por improbidade administrativa.
Antônio Gomes da Costa Neto, autor da primeira denúncia no MEC contra Caçadas de Pedrinho, explica que a intenção não é barrar nenhum livro, mas usá-lo para combater o racismo. “Com profissionais capacitados, o livro poderia ser adotado dentro de uma diretriz de igualdade racial, mostrando que, no contexto histórico em que ele foi escrito era comum aquele tipo de tratamento e que a cultura era baseada em superioridade racial. Com essa postura, além literário, ele passará a ter valor histórico”.
MINISTÉRIO
Apesar da inclusão de mais um livro na pauta, o ministério reafirmou sua posição em favor da obra. “O MEC não admite censurar obras de Monteiro Lobato ou qualquer outra com valor literário e científico, e vai defender isso diante do STF”, destacou o secretário da Educação Básica do ministério, Cesar Callegari.
Segundo ele, a pasta se comprometeu a intensificar a divulgação do parecer do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo MEC, que orienta os professores e a escola sobre o dever de mediar e contextualizar as obras. Callegari também disse que o ministério tem estimulado os programas de capacitação dos professores para tratar de temas étnicos e raciais.