O mérito falou mais alto no Vestibular 2013 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): no primeiro ano da aplicação da Lei das Cotas, passar com o benefício foi mais difícil que disputar uma vaga sem ele. A nota mínima para aprovação entre os candidatos que optaram pela reserva de vagas foi superior na maioria esmagadora dos 110 cursos da instituição, incluindo as habilidades de música. Em 98 deles (89%), a quantidade mínima de pontos exigida em pelo menos uma modalidade das cotas superou a da livre concorrência. O aspecto menos positivo vem da constatação de que esses candidatos passariam de qualquer maneira, o que demonstra que a política, neste primeiro ano, teve resultados pouco expressivos em termos de inclusão sociorracial. Essa elite da educação pública teve destaque também em 10% dos cursos, ao levar o primeiro lugar na classificação geral. Mas a soberania da escola particular ainda se mantém forte em graduações tradicionais, como direito e medicina. Nelas, muitos candidatos não teriam entrado se não fosse o benefício.
Na Federal de Minas, só não houve aprovados pelas cotas em quatro habilidades de música. Também estão em sete habilidades desse curso os únicos casos em que quem optou pela reserva de vagas não superou as notas de quem disputou pela livre concorrência. Em muitas graduações de peso, há casos em que a nota mínima para aprovação dos cotistas foi maior que a dos outros concorrentes. Um exemplo vem das 16 engenharias: em quatro delas, a pontuação de todas as modalidades da reserva de vagas superou a da ampla concorrência – incluindo a engenharia química, o terceiro curso mais disputado da UFMG.
Em cinco cursos oferecidos pela universidade, a maior nota foi registrada na primeira modalidade de cotas. Neles, foram os candidatos que se declararam negros ou pardos e com renda de até 1,5 salário mínimo per capita que faturaram o primeiro lugar: dança, história noturno, música bacharelado (viola), nutrição e sistemas de informação.
Para o professor Cláudio de Moura Castro, economista e assessor do Grupo Positivo, especializado em material e sistemas didáticos, o bom desempenho dos candidatos cotistas já era esperado. “Quando se pega apenas 12% de um universo grande de estudantes das escolas públicas, que representam quase 10 vezes mais que a quantidade de alunos da rede privada, não há razão para eles não serem tão bons quanto os outros. São selecionados os melhores de um grupo muito grande”, relata.
Mas ele pondera: “Quando chegarmos aos 50% (reserva de vagas máxima prevista na lei para vigorar a partir de 2016), será diferente e ainda não sabemos o que ocorrerá, mas a tendência é de uma queda significativa no aspecto da qualidade”. Castro, defensor da melhoria da escola pública em vez da reserva de vagas, avalia que muitos cotistas aprovados com nota de corte acima daquela da livre concorrência podem ter estudado em colégios da rede estadual do interior. “Na capital, a maioria das escolas boas são privadas, mas, no interior, essa realidade é vista nas públicas, para onde vão quase todos os alunos”, diz.
SEM SURPRESA A coordenadora da Comissão Permanente de Vestibular (Copeve) da UFMG, Vera Lúcia Silva Resende, também afirma que as boas notas entre cotistas não foram surpresa. “Como adotamos 13,67% de reserva para cotas, era de se esperar que passassem os melhores”, diz, afirmando que os primeiros lugares nas engenharias, por exemplo, já eram tradicionalmente alunos vindos de escolas federais.
Questionada se, com isso, as cotas cumpriram seu objetivo – já que em grande parte aprovaram aqueles que passariam de qualquer forma no processo seletivo –, ela é enfática ao dizer que essa não foi uma decisão da UFMG. “Estamos cumprindo uma lei da maneira como ela foi determinada. E, a partir do momento em que a aplicação ocorre em quatro anos, o objetivo de fato será daqui a quatro anos”, afirma a coordenadora. Vera ressalta ainda que só depois da análise da origem de candidatos aprovados na livre concorrência será possível verificar se há maior presença de alunos da escola pública na universidade depois das cotas, em comparação com a política anterior, de bônus para estudantes do ensino gratuito e autodeclarados negros e pardos.
PERSONAGEM DA NOTÍCIA: GUILHERME RANGEL DA SILVA MOURA, que concorreu como cotista, mas teve a maior nota em sistemas de informação
1º lugar geral em superação
A cada dia, Guilherme Rangel da Silva Moura, de 17, escreve mais um capítulo de uma história de superação. A última vitória foi a aprovação em primeiro lugar em sistemas de informação na UFMG. Apesar de concorrer pelo sistema de cotas, Guilherme obteve a nota mais alta do curso. Estudante de escola pública, pardo e com renda familiar de até um salário e meio per capita, ele tinha dúvida se passaria no vestibular. Ao se deparar com o resultado, não conteve a alegria. “Espero que o curso faça diferença na minha vida”, diz.
Guilherme está concluindo o ensino médio no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG), mas para chegar lá, só ele sabe o que passou. “Fiz o ensino fundamental na Escola Municipal Maria de Magalhães Pinto (Bairro Itatiaia, Região da Pampulha), onde a estrutura era ruim. Havia vários casos de polícia, ficávamos muito tempo em uma matéria. Era difícil aprender assim. Para tentar passar no Cefet, tive que correr atrás de uma bolsa em um cursinho”, conta.
No ensino médio, mais desafios. “Como houve a greve, fizemos o Enem sem ter aprendido vários conteúdos. Acabei precisando de um cursinho na segunda etapa”, afirma. A família inteira contribuiu. O pai, comerciante aposentado, dividiu a mensalidade com a mãe, que fez faxinas para ajudar a pagar. A irmã deu o dinheiro para as passagens de ônibus. Guilherme correspondeu. “Vai valer muito a pena”, promete.