Diante de indefinições que ainda pairam sobre a reforma do ensino médio no país, Minas Gerais começa a projetar os impactos das mudanças. Por enquanto, quase nada está definido. Sabe-se apenas que este ano tudo permanecerá como está na rede estadual e que qualquer alteração no currículo, a ser feita progressivamente, será discutida com a comunidade escolar. As novas diretrizes serão debatidas em seminário, dando vez e voz a professores, alunos e à família para que opinem sobre temas que vão mudar a cara da última etapa da educação básica, como a segmentação das disciplinas de acordo com as áreas do conhecimento, a flexibilidade para o aluno escolher os caminhos de seu currículo, a oferta de formação técnica e profissional e o aumento da carga horária. A expectativa da Secretaria de Estado de Educação (SEE) é tratar essas questões nas 47 regionais de ensino, a partir do segundo semestre.
A palavra de ordem é “escutar para aprender”, segundo a superintendente de Juventude, Ensino Médio e Educação Profissional da SEE, Cecília Resende Alves. Ela afirma que um amplo debate será aberto, depois da apresentação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). A Medida Provisória (MP) 746, de 22 de setembro de 2016, que institui o novo ensino médio, foi aprovada quarta-feira à noite no Senado. Para se tornar lei depende agora apenas da sanção do presidente Michel Temer. A BNCC, em discussão desde 2015, é um suporte em nível nacional pensado para deixar claro os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória ano a ano, desde o ensino infantil até o médio.
A ideia da Secretaria de Educação de Minas é abrir o diálogo com a comunidade a partir da conclusão da base nacional que, na prática, vai delinear os caminhos do currículo do novo ensino médio. Na semana que vem, está marcada uma videoconferência entre os gestores, sendo a BNCC e a escola em tempo integral parte da pauta. Cecília acredita que nessa sessão será apresentada a versão final. A informação dada pelo Ministério da Educação (MEC) à SEE é que a divulgação ocorrerá em junho. Assim, os debates da rede poderiam ser iniciados logo depois. Mas o próprio MEC prometeu, no fim do mês passado, conclusão da base para março do ano que vem. Se o prazo for mantido, o novo ensino médio só vai começar a ser implementado em 2020.
MAIS HORAS Pela reforma, a carga horária do nível médio subirá de 800 para 1.400 horas, sendo que as escolas farão a ampliação de forma gradual. Mas, nos primeiros cinco anos, já devem oferecer 1.000 horas de aula anuais. Para esse primeiro momento, Cecília Resende imagina os colégios com sete horários e, futuramente, com nove horários para atender a proposta de tempo integral. “É um impacto gigante não só no estado, mas no setor privado também. Se tivéssemos que executar tudo a partir do mês que vem seria inacessível”, afirma. “Será que obrigar o jovem a ficar sete horários é a melhor solução? Ou ele poderia voltar para fazer as disciplinas eletivas e escolher quantos horários quer fazer? A obrigatoriedade é uma questão complicada. Nas conversas com os jovens da rede, o que eles pedem é uma escola mais participativa. E, aí, chego com uma medida que não teve a participação da juventude”, pondera.
PERCURSO A forma como o aluno vai traçar seu percurso escolar, cursando as disciplinas obrigatórias e se dedicando às optativas, também fará parte das discussões. O MEC definiu e enviou às secretarias de educação dos estados três possibilidades. Uma delas é oferecer as disciplinas comuns e obrigatórias do 1º até a metade do 2º ano e, só depois, disponibilizar a ênfase por área do conhecimento. Outra é disponibilizar as disciplinas que serão focadas pelos estudantes ao longo dos três anos. E a última é a oferta concomitante só a partir do 3º ano. Em Minas, as três propostas foram rechaçadas. “Essa discussão não pode ser enlatada. Não posso enxergar as juventudes e os territórios do estado do mesmo jeito. O que vale na Região Metropolitana de Belo Horizonte pode ser extremamente danoso para o Norte de Minas, por exemplo. Para uma flexibilidade do currículo tem que haver flexibilidade de discussões e um grande debate social”, ressalta Cecília.
A escolha das áreas afins também pode ser um problema dentro da realidade de muitos municípios, que contam com uma única escola para os ensinos fundamental e médio. “Como pôr cinco ênfases numa única escola?”, questiona Cecília. “Não podemos esquecer que temos 1,1 milhão de jovens matriculados. Vamos adotar a reforma à medida que fecharmos com a comunidade o currículo que será ofertado. E não será possível implementar sem o caráter progressivo. Teremos que usar o máximo possível dos cinco anos para ter as 1.000 horas de aulas e depois, esperamos para ver como ficarão as 1.400.”
PROFESSORES Outro ponto a ser tratado e que a medida provisória não contemplou é a carreira do professor que, na visão da superintendente, certamente deverá ser alterada. Hoje, ele é designado para trabalhar 16 horas semanais. Com a reformulação, terá dedicação praticamente exclusiva. O custo com infraestrutura, material e pessoal é mais uma preocupação e deverá envolver outras secretarias, como Gestão de Recursos Humanos e Planejamento, para implantar as mudanças nas 2.999 escolas da rede.
Falta de estrutura preocupa
Quem está na linha de frente na sala de aula vê com bons olhos, mas também se preocupa com a execução da reforma do ensino médio. Que algo precisava ser feito, ninguém duvida. Mas como e com qual dinheiro e estrutura são as principais dúvidas de quem está no comando da sala de aula ou acompanha de muito perto os rumos da educação brasileira. Presidente da Federação das Associações de Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas, Mário de Assis reclama que não houve discussão com a sociedade. “A reforma é necessária, mas foi feita de cima para baixo. Tenho muitas indagações sobre o ensino técnico-profissionalizante e como serão contratados professores para cobrir a escola em tempo integral”, diz. A presidente da Associação dos Professores Públicos de Minas Gerais, Joana D’arc Gontijo, considera que a proposta é mais positiva que negativa. “É preciso investir no ensino médio com urgência e ter mais horários de aula, sim. Além disso, o Brasil tem extensão continental, logo, é importante ter uma base comum de ensino. Essa arrancada será doída e difícil, mas tem que ocorrer”, afirma.
Diretora da Escola Estadual Pedro II, Cristiane Justi acredita que o fato de os alunos poderem escolher seu percurso educacional é ponto central e positivo, desde que não sejam retirados conteúdos essenciais. Mas, segundo ela, é fundamental atrelar o currículo básico com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Preocupa-me muito o custo disso, pois é um projeto caro. A diversidade de currículo gera custo maior de infraestrutura e pessoal. Talvez nem tenhamos profissionais para todas as escolas”, afirma. No colégio, a adaptação será pequena em vista do que outras escolas terão de fazer, pois, atualmente, a carga horária anual é de 1.333,22 horas. Isso por causa do sexto horário e de oficinas pedagógicas oferecidas no período da tarde, uma vez por semana, como a conversação em inglês.
viagem O trabalho rendeu a Cristiane e a oito estudantes, ano passado, uma viagem para um programa de intercâmbio entre gestores e alunos na Flórida (EUA), iniciado pelo antigo diretor da escola em 2014. “Lá é assim: os alunos têm um currículo básico e vão escolhendo o que querem estudar. Mas há uma espécie de conselheira, uma supervisora que auxilia na escolha do percurso dele, para evitar ir e voltar de uma área. É importante termos essa pessoa também. Mas não está contemplado na proposta”, diz. “O ideal seria pensar em escolas com perfis. Se humanas, por exemplo, atender todos os alunos dessa área, pois, se formos contemplar tudo será inviável”, propõe.
Aluna do 3º ano do ensino médio do Pedro II, Luísa Sousa Santos, de 16 anos, viajou para o congresso na Flórida e se encantou com o que viu. Ela teve a oportunidade de acompanhar, durante um dia inteiro, a rotina escolar de uma adolescente. “Há algumas matérias diferentes. Dar aula de reforço de matemática para meninos do 5º ano do fundamental era uma das atividades que estava na grade curricular dessa menina. O desempenho dela em sala de aula era avaliado pela professora dos garotos. Há um número bem menor de matérias, mas muita coisa para se fazer na escola, em arte, esporte e teatro, por exemplo, o que atrai o interesse dos alunos”, conta.
Luísa é a favor de estímulo dentro da escola. “O ensino no Brasil é muito conteudista. No Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), temos que saber as matérias que estudamos nossa vida inteira. E isso atrapalha o ensino na escola, porque é muita matéria num ano, e uma carga muito grande para entrar na faculdade”, relata. Por isso, a adolescente espera também mudanças no Enem, dando peso para as áreas do percurso escolhido no ensino médio. Outra preocupação da garota é como vai funcionar o tempo integral para quem trabalha. “A maioria dos alunos da escola pública trabalha. Como essa pessoa vai largar tudo pela escola? Infelizmente, a realidade aqui é outra.”
O Ministério da Educação foi questionado sobre como fica a situação dos estudantes que trabalham, no caso de escola em tempo integral, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Noturno em foco
O ensino noturno não é contemplado na medida provisória que altera o ensino médio, mas a política da Secretaria de Estado de Educação de Minas é de não fechamento desse horário, adianta a superintendente de Juventude, Ensino Médio e Educação Profissional, Cecília Resende Alves Cecília. “Quando essa gestão assumiu, em 2015, tínhamos 160 mil jovens com idade entre 15 e 17 anos fora da escola que passaram pelo ensino médio, mas, ao fim de um ou dois meses, evadiram, porque começaram a trabalhar. Uma das primeiras atitudes foi abrir 1,2 mil turmas de nível médio à noite”, conta. No ano seguinte, o currículo desses alunos também foi reformulado, com aulas de quatro horários começando às 19h e terminando às 22h15. O resultado foi a volta de 114 mil jovens para a escola. “Temos o compromisso com o jovem trabalhador que quer estudar e queremos vê-lo em sala de aula.” Cecília espera que a discussão seja ampliada para outros estados e integre a lei.