Só o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) delimitou 57 focos de tensão nos quais a água de córregos, ribeirões e rios é insuficiente para saciar a sede da agricultura, do consumo humano, da indústria, das mineradoras e ainda sustentar o ecossistema sem uma gestão restritiva. Os territórios reconhecidos com Declaração de Área de Conflito (DAC), somados, abrangem 19 mil quilômetros quadrados, quase a mesma extensão do estado de Sergipe (22 mil km²), nos quais, apesar do mapeamento, a falta de fiscalização permite a devastação dos recursos hídricos, gerando escassez, desemprego, êxodo e violência.
Para encontrar quem drena ilegalmente a água dessas bacias, a reportagem do Estado de Minas analisou por quatro meses imagens aéreas, mapas com a demarcação das áreas de conflito e registros de outorgas com a indicação geográfica de pontos de captação licenciados. Por meio de fotografias capturadas por satélites nos últimos 10 anos, foi possível averiguar desmatamentos que depois se tornaram extensos polígonos de culturas sem qualquer licença. Em campo, mesmo com auxílio de GPS, encontrar as áreas de uso dos mananciais exige percorrer uma rede intrincada de estradas rurais para descobrir captações escondidas em regiões de matas fechadas, que alimentam tubulações enterradas para despistar a fiscalização.
Só em propriedades de Caeté e Capim Branco (Grande BH), Pará de Minas (Centro-Oeste), Sete Lagoas (Região Central) e Araguari (Triângulo Mineiro), esse trabalho permitiu encontrar áreas que somam 604,49 hectares de cultivos que sugam recursos hídricos sem outorga ou acima do que é permitido pelo licenciamento. Uma extensão de 1.492 campos de futebol, que supera as medidas do Parque Nacional de Ubajara, no Ceará, com seus 563 hectares. Segundo levantamento feito junto à Polícia Militar do Meio Ambiente, desde 2014 foram pelo menos 150 ocorrências registradas por conflitos hídricos e retirada ilegal de água – média de oito por mês, muitas envolvendo lesões corporais, agressões e ameaças.
FISCALIZAÇÃO Apesar de ter sido pioneiro no Brasil ao estabelecer, em 2005, os limites formais desses trechos em que há conflitos pelo uso da água, o estado não tem sido capaz de solucioná-los. Ao todo, existem 53 agentes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e 1,2 mil policiais militares do meio ambiente para atuar não apenas em questões hídricas, mas também florestais e de fauna. No ano passado, essa equipe realizou 8 mil ações fiscais em todo o estado contra o uso irregular de recursos hídricos. As autuações – 500 a mais que em 2013 – renderam R$ 1 milhão em multas, R$ 170 mil a mais que a punição nos 12 meses anteriores. Mas tanto o pessoal quanto os resultados são considerados modestos por especialistas.
Trechos de bacia só recebem uma DAC quando seus ribeirões, córregos e rios não dispõem de vazão suficiente para abastecer todos os usuários sem exceder o limite de extração de um corpo hídrico – que em Minas é fixado em 50% do seu volume histórico. Nesses pontos, a captação só é licenciada depois de um estudo que determine os volumes máximos de extração por usuário. Municípios que estão entre os mais populosos de Minas se encontram em áreas reconhecidas como de conflito – Uberlândia (654,6 mil habitantes), Uberaba (318,8 mil), Patos de Minas (147,6 mil), Araguari (115,6 mil), Pará de Minas (90 mil), Paracatu (90 mil), Unaí (82 mil), Caeté (43 mil) e São Gotardo (34 mil). Essa realidade aproxima perigosamente os conflitos na zona rural do abastecimento público urbano.
Assista: plantações de hortaliças sugam água da região de Caeté, na Grande BH