No papel, o desenho de um país exemplar para o mundo; na prática, o esgotamento das medidas voltadas para a gestão dos resíduos sólidos. Em discurso em comemoração à Semana Mundial do Meio Ambiente, a ministra Izabella Teixeira, titular da pasta de Meio Ambiente, convocou a população a pensar junto a questão do lixo, ressaltando a importância da coleta seletiva na mudança do atual cenário. “O Brasil deixa de ganhar R$ 8 bilhões por ano por não reciclar tudo que é possível. A simples atitude de separar o lixo facilita o serviço dos catadores”, disse em rede nacional de rádio e TV, na noite de domingo.
Mas a maioria da população de Belo Horizonte não pode atender ao apelo da ministra. A cidade não está preparada, apesar da boa vontade de moradores em querer participar da onda verde da sustentabilidade. Essa pretensão esbarra na ineficiência da proposição e execução de políticas públicas voltadas para a gestão dos resíduos sólidos.
Antes de assumir o cargo de chefe do Executivo, uma das promessas de campanha de Marcio Lacerda (PSB) era levar a coleta seletiva a, no mínimo, metade dos 324 bairros de BH (número oficial), mas só 30 deles, menos de 10%, integram o projeto. E, faltando um ano e meio para o fim do mandato, o governo municipal admite a revisão da meta por ele estabelecida: “A proposta agora é atingir 20% da cidade até a Copa’2014, aumentando 64 bairros na lista”, diz o diretor de Planejamento e Gestão da SLU, Lucas Paulo Gariglio. E a coleta seletiva não é o único desafio em relação ao lixo: os bota-foras (locais públicos onde são jogados entulhos) se multiplicam e, sem conseguir fiscalizar, a solução encontrada pela prefeitura é apresentar a conta do serviço ao contribuinte.
Mesmo para atingir essa nova meta, o município terá que avançar muito. O atual modelo está travado pelo esgotamento da capacidade de triagem das associações de catadores de lixo, por falta de mão-de-obra e de espaço para o serviço. Com isso, a prefeitura, em vez de resolver o problema, o relegou a segundo plano. Gariglio diz que, depois de empossado, o prefeito viu que “havia outras prioridades”, como “levar a limpeza urbana a todos”. E estabeleceu que a meta deveria ser cumprida numa “segunda etapa”.
Considerados pela ministra os “grandes parceiros para a promoção da reciclagem”, os catadores têm migrado para empregos formais, por causa da queda de preço dos produtos recicláveis, e pela oferta de vagas no mercado de trabalho. A prefeitura subsidia nove galpões nos quais é feita a separação dos materiais reaproveitáveis. Eles recebem o que é coletado porta a porta e nos ecopontos de entrega e os catadores fazem a triagem. O material é vendido e o lucro é deles. Mas o serviço está saturado. “Se coletarmos mais, não teremos como repassar o material às associações. Se chegar um segundo carregamento, eles não terão terminado a triagem do primeiro”, admite Lucas.
A última ampliação do número de bairros servidos pela coleta seletiva foi em novembro de 2008. De lá para cá, mesmo com a multiplicação de bons exemplos, é impossível atender a todos. Situação que a bióloga Lívia Castro Giovanetti, de 25 anos, vence com determinação. Diante da falta de incentivo ao serviço em BH, ela adotou hábitos ecológicos na separação e reutilização do lixo, em casa, no Bairro Floresta, Região Leste, onde não há coleta seletiva.
Além de reduzir o consumo, a bióloga faz a compostagem de restos de alimentos, reutiliza materiais, como plástico, papel e metal, e leva os recicláveis sem uso para dois ecopontos. “Lá em casa, garrafa PET se transforma em regador; caixa de ovo é sementeira; latas de tinta, pneu velho e caixinhas de leite e de suco usamos para plantar. Os recicláveis que sobram levo para pontos de coleta na Praça da Liberdade e na UFMG.”
Todo o trabalho, conforme a bióloga, exige dedicação. “Minha profissão é um incentivo. Mas, para a população em geral é um desafio. Além das pessoas não serem instruídas, não são incentivadas. Não há divulgação maciça na mídia. Não basta o governo dizer faça a sua parte sem criar condições para isso.”
Outra iniciativa de proteção do meio ambiente ganhou espaço no Centro Lúdico de Interação e Cultura (Clic), no Bairro Carmo Sion, Região Centro-Sul. Lá, profissionais e alunos, com idade entre 1 e 6 anos, fazem da separação de vidro, metal, plástico e papel uma rotina. “A coleta e o reaproveitamento não são tratados como projeto porque queremos que as crianças cresçam entendendo que este é um processo natural”, diz a diretora da unidade, Carolina Brasil. O foco, segundo ela, é a conscientização, a proteção ambiental e a criação de uma cultura para diminuir a produção de lixo. Os recicláveis são usados pelos alunos para fazer enfeites temáticos e confecção de presentes de aniversário para os colegas. “Eles aprendem aqui e levam esses hábitos para casa.”
Alternativas
A prefeitura contratou uma ONG internacional para fazer um estudo sobre a coleta seletiva e a previsão é de que tenha logo em mãos opções para ampliar o programa. “É preciso entender e conhecer exemplos de outras cidades para ver o que é viável aplicar aqui”, diz Gariglio. Dada a impossibilidade de ampliar o número de catadores, uma saída seria a contratação direta de servidores para o trabalho, mas Gariglio explica que “questões jurídicas e burocráticas emperram” a formalização de contratos diretos. Por isso, a SLU faz a capacitação dos catadores, por meio de cursos de gestão, mas o aumento da produtividade, neste caso, é insuficiente para suprir o aumento do lixo produzido na cidade.