Para apimentar essa antiga polêmica e apontar novos caminhos nessa guerra, uma pesquisa conjunta da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) provou que, nessa história, não só os cachorros são os vilões. Os gatos podem ser também transmissores da doença. Em 2009, a aluna de medicina veterinária da PUC Minas Priscila Fonte Boa Rabelo repetiu o exame de sangue que atualmente é feito em cães em 86 felinos de Belo Horizonte. Em 40% deles o teste foi positivo.
Testes
Com a orientação de Sidney Magno da Silva, professor substituto do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, e do professor de doenças infecciosas de cães e gatos da PUC Minas Vitor Márcio Ribeiro, o estudo foi mais longe. “Sete gatos com sorologia positiva para a doença foram testados. Fizemos punção de medula óssea e cinco demonstraram o DNA do parasito. Três foram submetidos ao xenodiagnóstico, que é quando colocamos o mosquitinho para se alimentar no gato. Cinco dias depois, as fêmeas de Lutzomyia longipalpis foram dissecadas e encontramos a forma evolutiva do parasito no seu tubo digestivo”, descreve. “A última fase da pesquisa foi submeter um modelo experimental (hamster) a essas fêmeas de L. longipalpis alimentadas nesses gatos naturalmente infectados, e foi identificada a transmissão, sugerindo a participação do gato no ciclo de transmissão de Leishmania infantum no Brasil”, detalha Priscila, acrescentando que uma experiência como essa foi feita apenas na Itália, onde se obteve a mesma resposta.
De acordo com Silva, isso quer dizer que o felino pode ser um transmissor em potencial. “Por isso, continuamos a pesquisa com mais 200 gatos da cidade, para que possamos ampliar essa comprovação”, revela, dizendo que não se pode colocar o bichano no mesmo degrau do cão. “O felino pode estar ajudando a manter a doença em circulação”, aposta. Para Ribeiro, o experimento é uma prova concreta de que a estratégia de matar cães contaminados está equivocada. “Não é a melhor forma, uma vez que a doença pode ser transmitida por outros animais. Há estudos que mostram que o gambá pode ser um transmissor. No Brasil, outras pesquisas têm mostrado o aumento da enfermidade na população felina e isso é preocupante”, comenta, sugerindo que a estratégia seria o controle do inseto.
Mas, mesmo conhecendo a pesquisa e reconhecendo a importância dela, autoridades municipais e estaduais não concordam que é preciso mudar as políticas públicas de controle da doença. “A política tem que ser baseada no reservatório da enfermidade, que é o cão. A pesquisa não tem importância epidemiológica definida”, defende o superintendente de Epidemiologia da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Francisco Lemos. De acordo com o secretário adjunto da SMSA, Fabiano Pimenta, a questão sobre o gato ainda não está evidenciada e haveria necessidade de expandir as pesquisas para comprovar a suspeita.
Tratamento
Enquanto o Brasil continua entre os países que optam pelo sacrifício de cães, muitos veterinários já defendem o tratamento da doença nos cachorros, não para curá-los, mas controlar a enfermidade no animal, sem permitir que ela tenha potencial de transmissão. A psicóloga Flávia Damato apostou nessa alternativa. Dona de cinco cães, Flávia descobriu, no ano passado, que eles estavam doentes. “Não quis sacrificá-los e os veterinários indicaram o tratamento. Importei medicamentos da Espanha. Foram injeções diárias no primeiro mês. Atualmente, eles tomam medicamentos diários e sempre fazem exames para avaliar se tem havido transmissão”, conta, acrescentando que ninguém da família apresentou sintomas de uma possível infecção.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Saúde, (SES), Minas registrou, em 2001 , 200 casos confirmados e, em 2010, foram 556. Segundo o superintendente da SES, Francisco Lemos, 57 pessoas perderam a vida, contra 25 naquele ano. O que equivale a crescimento de 128% na comparação anual do número de óbitos. Em Belo Horizonte, de acordo com Fabiano Pimenta, em 2009 houve 148 casos e, em 2010, 134. Neste ano, até maio, são 24. “Essa diminuição é a soma de vários fatores. Conseguimos aumentar a nossa capacidade operacional, fizemos 153 mil amostras em 2009, sendo 10.475 positivas. Em 2010, foram 196 mil exames. Não aumentamos o número de cachorros sacrificados, mas houve um crescimento na quantidade de testes”, detalha Pimenta.
Está prestes a cair por terra o que há muito o Brasil sustenta como a melhor forma de se combater a leishmaniose. A doença, que se alastrou por Minas Gerais nos últimos nove anos, tem feito estragos no estado, dando sinais de que a batalha pode estar perdida. Mesmo apostando na eutanásia de cães para o controle desse mal, numa década o número de casos cresceu 278% em Minas, saindo dos 200 registrados em 2001 e passando para 556, em 2010. Antes, a enfermidade atingia 46 municípios e, em 2010, chegou a 200. Os óbitos mais do que dobraram, passando de 25 para 57, um crescimento de 128%. Neste ano, já são 134 mineiros infectados, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES). Em Belo Horizonte, até maio, 3 mil cães foram sacrificados. Para especialistas, esses são sinais claros de que o país está dando murro em ponta de faca no controle da leishmaniose, que custa, anualmente, R$ 10 milhões à Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) de BH.