Versos, estrofes e rimas extrapolam o mundo dos livros e conquistam espaço em suportes nada convencionais: sacos de pão. O papel, antes pardo e desbotado, ganha as cores da imaginação de 400 alunos de escolas públicas de Belo Horizonte e leva poemas e cultura para o dia a dia de moradores do Barreiro. Até o fim do mês, 250 mil embalagens serão distribuídas em padarias da região, dando vida ao projeto Pão e Poesia, que coleciona dois prêmios do Ministério da Cultura e o apoio de voluntários apaixonados pela literatura.
No fino papel usado para embrulhar bisnagas, biscoitos e roscas, autores consagrados, como Affonso Romano de Sant’Anna, Fernando Brant e Líria Porto, dividem espaço com iniciantes, a exemplo de Lorrayne Oliveira Sousa e Charles Rodrigues Filho, ambos de 12 anos. Depois de horas em aulas de leitura e escrita, batizadas de oficinas de sensibilização poética, os estudantes arriscaram os primeiros versos e agora se surpreendem com o resultado. “Não acreditei quando vi um texto meu impresso no papel. Achei muito legal e minha mãe ficou tão orgulhosa que juntou várias embalagens para mandar para meus tios, que moram no Rio de Janeiro”, conta o empolgado Charles.
Aluno do 7º ano do ensino fundamental, ele é recordista em publicação na atual edição do projeto Pão e Poesia, com três textos selecionados. Sem citar um grande autor como inspiração ou o melhor livro que já leu, Charles confessa que o interesse pela literatura começou a nascer agora, a partir do projeto. “Nunca tive muita paciência para livros. Quando escrevia alguma coisa, eram sempre frases soltas. Mas me empolguei com a ideia de ganhar, de uma hora para outra, milhares de leitores. Será que isso vai ter futuro?”, questiona o garoto, com olhos interessados a percorrer as estantes da biblioteca da Escola Estadual Margarida Brochado, no Barreiro.
Se Charles ainda não tem referências literárias de peso, a estudante Lorrayne Sousa esbanja intimidade com o universo das letras. Amante de Monteiro Lobato, ela guarda com carinho uma agenda onde, desde os 6 anos de idade, escreve seus poemas. “Toda ideia que passa pela minha cabeça eu transformo em textos. Às vezes, falo da natureza, da poluição, dos amigos ou da família. Temas nunca faltam. E fiquei emocionada com a chance de publicar meu trabalho”, diz Lorrayne.
No comércio Estudantes da Escola Estadual Margarida Brochado, Charles e Lorrayne se somam aos 400 alunos do Barreiro que participam do projeto Pão e Poesia. As oficinas de sensibilização poética, feitas no segundo semestre de 2010 e nos primeiros meses deste ano, movimentaram 10 escolas da região e, este mês, o resultado chega às padarias. Surpresos com a possibilidade de levar cultura junto com “o pão nosso de cada dia”, os fregueses elogiam a iniciativa: “Dessa forma, o pão vira alimento para o corpo e a alma. Achei muito interessante a ideia de ler poesias enquanto tomo meu café. Vou guardar as embalagens e tentar reconhecer os autores entre os alunos que conheço”, conta a comerciante Patrícia Spiazzi, de 23.
Para a diretora da escola, Rosemari Conceição Diegues, as oficinas têm papel transformador na rotina dos jovens. “Com a ajuda de professores de português, os responsáveis pelas oficinas trabalharam várias dinâmicas de leitura e escrita com os estudantes. Essa ação desperta o interesse deles pela leitura e aumenta o contato diário com a cultura”, afirma ela, ressaltando uma mudança de comportamento também durante as aulas. “Tudo isso se reflete na maior concentração dos alunos nas atividades da escola e em melhor desempenho nas avaliações”, conclui.
personagem da notícia
Diovani Mendonça
analista de sistemas
Um amante de livros teve ideia
A ideia de unir cultura a um dos alimentos mais populares da mesa dos brasileiros nasceu em 2008 na biblioteca do belo-horizontino Diovani Mendonça, de 47 anos. O analista de sistemas e apaixonado por literatura reuniu, em seu acervo de autores consagrados e também na internet, matéria-prima para dar um reforço no café da manhã dos mineiros. Com a ajuda de amigos e empresários, ele conseguiu doações de tintas e papéis para pôr nas ruas as primeiras 300 mil embalagens do projeto Pão e Poesia. “Desde adolescente, eu escrevia poemas e letras de música em folhas de caderno para distribuir entre os amigos. Meu sonho era que aqueles versos que me emocionaram tocassem também o coração de outras pessoas. Há três anos, eu tive a ideia de colocar esses textos em sacos de pão”, diz Diovani. Os primeiros exemplares foram plastificados por ele e passaram a integrar uma exposição itinerante que já percorreu 20 escolas de Belo Horizonte e uma de São Paulo. O Pão e Poesia ganhou dois prêmios do Ministério da Cultura – em 2009, primeiro lugar no concurso Pontos de Mídia Livre; e, no ano passado, o Selo Prêmio Cultura Viva. Aprovado pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura, a iniciativa agora tem o patrocínio da V&M do Brasil. “É muito gratificante fazer com que os meninos ponham no papel as vivências e experiências deles”, diz Diovani.