A Justiça Federal concedeu decisão favorável ao companheiro de um professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que requereu à instituição o benefício de pensão por morte. A juíza da 12ª Vara Federal, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Rosilene Maria Clemente de Souza Ferreira, reconheceu a união de 17 anos e determinou que a UFMG faça os depósitos a partir de agosto com valores corrigidos desde a data da morte do professor Fernando César Cabral, da Faculdade de Ciências Econômicas, aos 69 anos, em julho de 2004. A sentença foi divulgada em 11 de julho.
“Esse era o desejo do Fernando, mas a doença foi muito repentina e não deu tempo de cuidar de nada que não fosse a saúde dele. Os médicos disseram que Fernando ainda teria cinco anos pela frente, mas a última vez que saímos juntos foi no dia do meu aniversário. Ele se sentiu mal e, em vez de irmos ao shopping, o levei para o hospital. Dias depois, ele morreu e meu mundo acabou. Escolhemos um ao outro para formar uma família, viver em paz e correr o mundo juntos. Sinto muito a falta da companhia dele e das conversas que tínhamos, mas fico feliz com essa decisão, não pelo dinheiro, mas porque houve o reconhecimento daquilo que eu já sabia e precisei provar”, disse o paisagista.
Documentos
À época do requerimento administrativo à universidade, Uilian apresentou documentos, fotos, correspondências e testemunhas que confirmassem o relacionamento estável e duradouro, mas a instituição alegou que não havia amparo em seu estatuto para conceder a pensão por morte e sugeriu que ele recorresse à Justiça comum. Fernando foi professor da UFMG por 25 anos, lá se aposentou e, a partir daí, velejou por toda a costa brasileira com o companheiro. A doença interrompeu o sonho de dar a volta ao mundo e deixou Uilian submerso na depressão. Há cerca de três anos ele foi à Justiça.
“Lidar com uma doença terminal é uma das piores experiências que se pode ter na vida. Em meio ao tratamento de quimioterapia, eram 15 dias no hospital e dois em casa. Passei todo o tempo com ele, tínhamos uma relação pura, verdadeira e simples. Fernando tinha os olhos azuis que irradiavam alegria. Ele me incentivava, suas conversas me instruíam, me educavam. Ele era um empreendedor e me deixou isso. Às minhas próprias custas, me formei em administração. Fiz por mim e por ele também, que acreditava que eu ia conseguir. Foram muitos anos juntos e por isso é difícil ter que provar a sua história”.
A universidade informou que vai se pronunciar quando for formalmente comunicada sobre a decisão. Para o advogado de Uilian, Hermann Wagner Fonseca Alves, que acompanhou a entrevista, a pedido do paisagista, o “pensar social” mudou muito. “Essa resistência vai ficando fora de moda. Serão mais dois ou três anos com questões deste tipo e o assunto vai ser encerrado porque a Justiça já analisa de outra forma”.
Caso semelhante em 2004
Esta não é a primeira vez que a Justiça determina pagamento de pensão a companheiros de funcionários da universidade. Em fevereiro do ano passado, a UFMG teve que incluir o companheiro de um professor aposentado como beneficiário da pensão civil vitalícia, prevista na Lei 8.112/90. Os dois viviam em união homoafetiva há mais de 20 anos e a decisão foi do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A universidade alegou ausência de previsão legal e sustentou que para a caracterização da união estável era necessária a diversidade de sexos.
Para comprovar a relação homoafetiva, o requerente anexou ao processo notas de despesas domésticas, seguros de vida, testamentos recíprocos, contrato de firma de engenharia para construção da casa deles, conta bancária conjunta e pedido de antecipação de restituição do Imposto de Renda em nome dos parceiros.
Desde 5 de maio, decisão do Supremo Tribunal Federal estabelece que os casais homossexuais têm os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira já estabelece para os casais heterossexuais. Assim, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo passou a ser permitido e as uniões homoafetivas a ser tratadas como um novo tipo de família. O julgamento do Supremo, que aprovou por unanimidade o reconhecimento legal da união homoafetiva, tornou praticamente automáticos os direitos que já eram obtidos com dificuldades na Justiça e põs fim à discriminação legal dos homossexuais.
As uniões homoafetivas passaram a ser colocadas, com a nova norma, ao lado dos três tipos de família já reconhecidos pela Constituição: a família convencional formada com o casamento, a família decorrente da união estável e a família formada, por exemplo, pela mãe solteira e seus filhos. E como entidade familiar, as uniões de pessoas do mesmo sexo passam a merecer a mesma proteção do Estado. O que implica reconhecimento ao direito de receber pensão alimentícia, acesso à herança de seu companheiro (ou companheira) em caso de morte, inclusão como dependentes nos planos de saúde, adoção de filhos e o registro em seus nomes, entre outros direitos.