Quase quatro meses depois da entrada em vigor da Lei Municipal 9.529, que proibiu o uso das sacolas plásticas em Belo Horizonte, a falta de fiscalização está pondo em risco a eficácia da norma. A constatação parte do fato de que nenhuma multa foi lavrada ainda por desrespeito à legislação, enquanto levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que a desobediência ao veto à sacola plástica convencional é grande. Vários estabelecimentos foram flagrados na quarta-feira entregando gratuitamente, e sem nenhum constrangimento, a embalagem proibida.
“As pessoas reclamam se não tem sacola e também não compram as biodegradáveis. Por isso, a gente nem põe à venda. Estamos usando sacos de plástico transparente, mas também mantemos a sacola tradicional, para não perder vendas”, conta a atendente de uma loja de queijos no Bairro Horto, Região Leste de Belo Horizonte, tentando justificar o não cumprimento da lei. Segundo ela, o estabelecimento nunca foi alvo da fiscalização da prefeitura.
A ineficiência das ações de vigilância é confirmada por quem deveria zelar pela obediência à legislação, a secretária municipal-adjunta de Fiscalização, Miriam Terezinha Leite Barreto. De acordo com ela, 2.909 vistorias foram feitas na cidade desde que a lei passou a valer, em 18 de abril. As ações resultaram em 457 notificações, mas ninguém foi multado. “Creio que a capacidade de fiscalização não atinge plenamente as necessidades da capital. Belo Horizonte não tem a quantidade de fiscais de que precisa. Temos muitas irregularidades na cidade e os fiscais de que dispomos não dão conta . É muita coisa”, afirma a secretária.
Na avaliação do presidente da Associação Mineira de Supermercados (Amis), José Nogueira Soares Nunes, a falta de obediência à norma é mais comum nos pequenos estabelecimentos. “As grandes redes de supermercado estão todas dentro da lei e preparadas para a mudança”, garante.
Mais trabalho
Se o corpo de fiscalização da prefeitura já não dá conta do recado, a partir de terça-feira a responsabilidade dos fiscais vai aumentar. É quando termina o prazo para uso das sacolas plásticas recicladas, assim como das biodegradáveis sem o selo que atesta a observância às determinações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). No comércio, a desinformação continua grande em relação às novas regras. Outra constatação da equipe do EM foi que muitos lojistas têm estoques elevados das sacolas cuja circulação será banida na terça-feira. Associada à precariedade na fiscalização, admitida pela própria PBH, é um indicativo de que o desrespeito tende a continuar.
Para entender o novo prazo, que vence terça-feira, é preciso lembrar que em abril, seis dias antes de entrar em vigor a lei que proibiu o uso das sacolas plásticas, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) publicou o Decreto 14.367, alterando o texto da nova legislação. O decreto extinguiu o termo reciclado entre as sacolas que seriam permitidas e acresceu a exigência de atendimento às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Representantes do comércio, alegando que foram prejudicados pela modificação, negociaram um prazo de tolerância de quatro meses para o uso desses produtos.
Com os 120 dias de tolerância chegando ao fim, o discurso dos lojistas não mudou. Muitos alegam que ainda têm estoque de sacolas recicladas e que os consumidores nem sempre trazem embalagens de casa. “Embora em pequena escala, ainda uso as recicladas para embalar produtos em meu comércio, já que nem todo mundo traz a sacola retornável de casa ou quer pagar pela biodegradável, que também está disponível para venda. Desconheço essa proibição da reciclada e a exigência do selo”, afirma o gerente Júlio César da Silva, de 35 anos, que trabalha em uma padaria no Bairro São Lucas, Região Centro-Sul de BH.
Ele, assim como o auxiliar administrativo Pedro Henrique Marques Braga, responsável pela compra de sacolas em uma loja de frios no Bairro Serra, na mesma região, disse que vai pedir informações aos fornecedores de sacolas plásticas sobre os produtos que tenham o registro da ABNT. “Desde que a lei entrou em vigor, paramos de usar as sacolas tradicionais e estamos repassando as biodegradáveis a preço de custo. Não sabia desse prazo, nem desse selo. Vou ter que correr para me adequar”, afirma Braga.
Quanto à fiscalização das novas normas, a secretária municipal-adjunta de Fiscalização informou que a frequência das ações será mantida. A única mudança será a orientação para que os fiscais passem a observar também o uso de sacolas recicladas e sem o selo da ABNT, agora proibidas. Ela recomenda que os consumidores que flagrarem casos de desrespeito à lei denunciem os responsáveis pelo Disque 156.
Análise da notícia
Poucas leis tiveram apoio tão grande da população quanto a que proibiu o uso de sacolas plásticas no comércio da capital. Os belo-horizontinos assumiram o compromisso de banir as embalagens poluentes do cotidiano e estão fazendo sua parte. Mas é necessário que as autoridades municipais se responsabilizem pela eficiência da fiscalização e pela punição de quem não cumpre a lei. O ônus não pode, mais uma vez, caber apenas aos cidadãos. (Álvaro Fraga)