De acordo com as primeiras investigações, tanto os parentes da jovem encarcerada como os da acusada se calaram por 23 anos sobre a situação. Nesse período, aponta a apuração, os últimos anos foram de exploração comandada pela mulher, que mantinha a jovem sob ameaças, em uma condição definida pela polícia como de cárcere dominado. Há indícios ainda de que Natália recebia diariamente remédios que a dopavam.
As investigações para encontrar a dona de casa Neli Maria Neves, de 53 anos, suspeita do sequestro da menina, em 7 de agosto, trouxeram à tona o caso da jovem. Durante operação policial na casa de Neli, na terça-feira, agentes da Divisão de Referência da Pessoa Desaparecida encontraram a vítima de 24 anos que, psicologicamente abalada, foi encaminhada a uma unidade médica. Agora, está sob cuidados de psicólogos da Secretaria da Defesa Social, em lugar cujo endereço é mantido a sete chaves. A acusada foi presa, juntamente com seu companheiro, um cabo reformado da Polícia Militar, com quem vive há 25 anos. Contra ela também pesa, sabe-se agora, a condenação pelo assassinato do ex-marido, em 1984.
A delegada Cristina Coelli Cicarelli, que comanda as apurações, disse que nos casos da jovem e da garota há semelhança no modo de agir da suspeita. “Ela procurou os cartórios para fazer os registros tardios das crianças, por meio de informações falsas, confirmadas por testemunhas. As duas vítimas foram registradas como filhas biológicas do casal, que teriam nascido em casa.” No caso mais recente, dois dias depois de sequestrada, a menina ganhou registro em São Joaquim de Bicas, na Grande BH. Nessa quarta-feira, representante do cartório informou que a certidão foi emitida com base em lei que prevê o requerimento amparado em depoimento de testemunhas para o registro da criança.
A delegada Cristina Coelli destaca que, no caso da jovem, há a versão de que houve entrega consensual da criança pela mãe biológica, hoje falecida. Depois, arrependida, a mulher não teria conseguido ter a filha de volta, diante das ameaças de Neli Neves. Ainda segundo a delegada, em outra versão testemunhas afirmam que Neli tomou a criança da mãe. O fato é que a família biológica da jovem e os parentes da acusada, que tinham proximidade, nunca denunciaram nada à polícia.
Cristina Coelli não quis dar detalhes sobre que tipo de exploração de que a jovem era vítima, mas a Polícia Civil admite que o nome de Natália chegou a ser usado para aquisição de bens pela acusada. “Não tivemos como entrevistar a jovem, devido ao seu estado psicológico. Sabemos, por meio de depoimentos, que ela era mantida sob cárcere dominado. Desde a adolescência era vista em companhia do casal.” A delegada afirma que a possibilidade de exploração sexual será investigada, embora ainda não haja indícios desse crime. A polícia já sabe que a jovem frequentou a escola até a 6ª série e depois passou a ter uma vida reclusa.
Distúrbios
De acordo com a delegada, Neli Neves justificou que a jovem é portadora de problemas psíquicos. Porém, a policial disse que no imóvel da acusada foram encontrados documentos em nome da garota, o que sugere que ela era considerada pessoa capaz de seus atos. “O que percebemos nas conversas com os parentes de Neli é que ela é uma pessoa temida, que mantinha domínio sobre todos por meio de ameaças.”
Nessa quarta-feira, a acusada foi reconhecida formalmente pela menina sequestrada e pela mulher que cuida da criança, a artesã Líria Martins, de 74, com quem a vítima estava na feira de artesanato no dia do crime. A garotinha, em seu relato, contou que dormia em um quarto junto com a jovem de 24, que permanecia trancada em casa. Durante o reconhecimento, a menina disse que Neli mudou a cor do cabelo desde que a libertou, o que foi confirmado por outras cinco testemunhas já ouvidas no inquérito, em uma demonstração de que a acusada buscava despistar a polícia.
Os investigadores não descartam, entre outras, a hipótese de tráfico de pessoas para explicar o sequestro da menina, de acordo com uma fonte da Polícia Civil. O que se sabe até agora é que o desaparecimento da pequena de 7 anos, em princípio resolvido, é fio de meada que fez surgir muitas perguntas ainda sem resposta.