Enquanto as águas do Rio Paraíba do Sul viram objeto de disputa entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, municípios da Zona da Mata mineira começam a se preocupar com possíveis efeitos de um estudo paulista para transpor as águas desse manancial para o sistema Cantareira, abastecendo assim 30 milhões de pessoas das regiões metropolitanas campineira, santista e paulistana. Segundo especialistas, essa obra é a solução mais barata de abastecimento da região para os próximos 30 anos.
Minas Gerais tem o maior número de municípios da bacia do Rio Paraíba do Sul. São 88 cidades banhadas pelo curso d’água e seus afluentes, a maioria na Zona da Mata, contra 57 do Rio de Janeiro e 39 de São Paulo. As duas maiores cidades mineiras dentro da bacia são Juiz de Fora, que é banhada pelo Rio Paraibuna, e Muriaé, que fica às margens do rio de mesmo nome. Embora ainda aguarde estudos para identificar o impacto da possível transposição, o assessor de gestão ambiental da Companhia de Saneamento Municipal (Cesama) de Juiz de Fora já prevê o congelamento de outorgas de água.
“Com menos água por causa da transposição em São Paulo, o fluxo para o rio Paraíba do Sul vai precisar ser mantido pelos afluentes, que terão seus limites de captação reduzidos”, avalia Paulo Valverde. Nas pequenas comunidades mineiras à beira do rio, o temor entre as prefeituras é de que, com menos água, a poluição despejada no Paraíba do Sul fique mais concentrada. Se isso ocorrer, representantes dos municípios alertam, comunidades pesqueiras tradicionais de Além Paraíba, Estrela Dalva e Chiador poderiam ser afetadas. O mau cheiro e a poluição poderiam prejudicar a irrigação de fazendas e o consumo d’água pelo gado, além de impactar atividades esportivas e culturais que tradicionalmente ocorrem à beira do Paraíba do Sul, como a Festa da Fogueira de São João de Chiador.
Por enquanto, o estado mais alarmado é o Rio de Janeiro, onde 18 milhões de pessoas da Baixada Fluminense são abastecidas por uma transposição de 1920, que traz águas do Paraíba do Sul para o Rio Gandu. A possibilidade de intervenção no manancial fez com que o procurador da República de Campos dos Goytacases (RJ), Eduardo Santos de Oliveira, emitisse uma recomendação para que o governo de São Paulo não iniciasse qualquer obra antes que o tema fosse melhor debatido pelas populações que já utilizam as águas locais. “Geralmente, no Brasil, as comunidades são surpreendidas por obras em estado adiantado de execução. Uma intervenção dessas terá impactos que precisam ser discutidos e conhecidos”, afirma o procurador.
Estudo
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) informou que aguarda que o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Ceivap) conclua um estudo de impactos que deve terminar neste ano, de acordo com o comitê. Segundo o especialista em recursos hídricos da Agência Nacional das Águas (ANA), Sérgio Ayrimorais, antes que qualquer água seja desviada, haverá negociações para conservação das outorgas atuais e avaliação de impactos ambientais na agência, uma vez que o rio passa por calha federal.
A Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo informou que os estudos ocorrem desde 2008 e, além da transposição do Paraíba do Sul, avaliam também a possibilidade de modernização dos sistemas de captação existentes para reduzir o desperdício de água já captada e até a captação de águas subterrâneas do maior aquífero do mundo, o Guarani, algo nunca feito até então.