Depois de ensoparem seus uniformes de suor para subir dois quilômetros a pé, derrapando por uma estreita trilha de motocross, os três brigadistas com 30 quilos de equipamentos cada um conseguem se aproximar do fogaréu que transforma o cerrado em cinzas num dos picos da Serra da Jangada. Implacável, o incêndio avança com o vento. Diferentemente do instinto de preservação dos animais que fogem de suas tocas e ninhos, os corajosos combatentes avançam na mata queimada e mergulham nas chamas. Mesmo com a fumaça densa e o calor que os agride, começam a chicotear as labaredas e a esguichar a água das bombas que trazem nas costas. De repente, Reginaldo Cornélio Silva, de 44 anos, grita: “Sai, sai, sai”. Um clarão de fogo cresce, seguido de ondas de calor e quase engole os brigadistas. Eles recuam um pouco, apenas para voltar ao combate logo depois.
Perigos como este são rotina nas matas mineiras que ardem desde julho, quando a temporada de incêndios começou. O Estado de Minas acompanhou um dia de combate a incêndios de equipes de bombeiros e brigadistas que se embrenharam na mata para extinguir as labaredas que consumiam o Parque Estadual do Rola Moça e a vizinha Serra da Jangada, entre BH, Brumadinho, Ibirité e Nova Lima. Uma difícil tarefa que exigiu todo o esforço dos brigadistas.
Depois do susto inicial, com a explosão de fogo, os homens subiram mais a montanha e se afastaram da ponta das labaredas que lambiam a encosta do morro. Sobre uma pedra fumegante, Reginaldo, brigadista da Copasa que coordena a equipe, pediu reforços pelo rádio. “A situação é crítica, preciso de mais gente. Tem uma trilha dois quilômetros depois da tronqueira da mineradora. É subida puxada”, orienta. Uma voz chiada respondeu rindo pelo aparelho. “Demorou. A gente tem dorflex”.
O paulistano Reginaldo toma um fôlego e em silêncio avalia a situação. Segundo ele, o que o fez ser brigadista é justamente domar situações como essa. “Na área de segurança das nascentes e mananciais é importantíssimo evitar que o fogo queime a vegetação”, disse. Sem reforços ou apoio de aviões e helicópteros jogando água, o combate fica prejudicado.
Os três tentaram um último esforço para cercar o muro de fogo que se alastrava. Chicoteavam de cima para baixo a mata e pulverizavam água. Lutavam contra o vento, que trazia de volta focos que acabaram de aplacar no capim seco. “Só nós três não vamos conseguir”, desabafou outro colega da equipe, Paulo Sérgio Maximiliano. Minutos depois, os rostos tensos, suados e sujos de fuligem sorriram aliviados. Da trilha escorregadia e seca apareceram mais 10 brigadistas do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), com mais abafadores, chicotes e bombas nas costas. “Agora, podemos impedir que o fogo queime o outro lado da montanha. Este lado já não dá mais para fazer nada”, afirmou Reginaldo.
Dois quilômetros trilha abaixo, um jovem combatente caiu deitado no banco da Kombi do IEF. Há apenas um ano entre os combatentes de incêndio, o jovem Maicon Junior Dias de Soares, 18 anos, não resistiu a 12 horas ininterruptas de combate a dois grandes focos no Rola Moça. “O que mais desgasta é subir e descer os morros para abastecer as bombas costais. Resolvi ser brigadista porque morava aqui perto. Agora, vi que sou bom nisso. Gosto de ajudar os animais feridos a escapar. É o que alivia a parte pesada”, disse, enquanto tentava recuperar o fôlego.
Enquanto brigadistas lutavam para cercar as chamas que destruíam o alto do morro, no fundo do vale, no Bairro Casa Branca, em Brumadinho, os bombeiros picavam a mata e esticavam suas mangueiras contra as chamas que se aproximava das moradias. “O fogo chega muito perto de nossas casas. Ontem, minha filha resolveu até juntar as roupas da minha neta para abandonar a casa, com medo do incêndio. O trabalho dos brigadistas e bombeiros é que impede nossas terras de queimar”, afirmou a dona de casa Cleonice Santos Silva, de 42. Em Nova Lima, o combate ao fogo foi tão intenso no Jardim Canadá que uma das brigadistas urinou na própria roupa porque não tinha tempo de parar.
“Combater incêndios em matas de Minas é perigoso por causa da topografia muito acidentada, dos locais de difícil acesso. Se o combatente escorregar, pode cair dezenas de metros ou ficar preso no fogo. Em morros altos como o Rola Moça, o vento alimenta a labareda de repente. Quando queimam folhas com óleo, como a canela-de-ema, ocorrem até explosões”, informou o comandante da Adjuntoria Ambiental do Corpo de Bombeiros no Rola Moça, subtenente Helson Alves Magalhães.
Foi numa dessas explosões que um motoqueiro acabou morto, com queimaduras de segundo e terceiro graus, em 2007. “Isolamos a estrada por causa do fogo. O motociclista aproveitou nossa distração e avançou pela área bloqueada. O fogo subiu de uma vez e o engoliu”, lembra Magalhães.
Focos no país
O clima seco e as grandes distâncias do estado complicam o combate dos bombeiros. Dos 42.369 focos de incêndio registrados no Brasil, de janeiro até o início deste mês, 10% ocorreram em Minas, que computou 4.312, ficando em segundo lugar, atrás apenas do Mato Grosso (6.300). Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que prevê chuvas relevantes apenas para outubro. Para combater essa situação, os bombeiros e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente já treinaram 2.934 brigadistas desde 2009. Os combates têm sido feitos com cinco helicópteros e 13 aviões.