Em dezembro, a pequena Laura Gomes dos Santos, de 5 anos, vai se despedir dos colegas do último ano da educação infantil. Eles seguem para o ensino fundamental, enquanto ela será obrigada a repetir o 2º período da pré-escola. Isso porque aumenta a cobrança do Ministério da Educação (MEC) sobre as escolas para que sejam colocados em prática, a partir do ano que vem, os novos critérios de matrícula no 1º ano do nível fundamental de todo o país. As mudanças foram determinadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2010 e, depois de um período de transição, tomaram fôlego para valerem efetivamente no próximo ano letivo. Dramas como o de Laura foram parar nos tribunais de justiça de Minas e sensibilizaram até o Ministério Público Federal (MPF), que ajuizou, em Pernambuco, ação para permitir a matrícula de crianças de 5 anos.
A resolução do CNE institui que só poderão ingressar no 1º ano do fundamental as crianças que completarem 6 anos até o dia 31 de março do ano da matrícula. Quem fizer aniversário depois dessa data deverá ser inscrito no ensino infantil. A data de corte se tornou polêmica no ano passado, quando o novo critério foi publicado. Antes, para ingressar numa escola das redes pública ou particular, os pequenos estudantes tinham que ter 6 anos completos até 30 de junho.
Diante da repercussão entre os pais, a aplicação, que valeria para este ano, foi adiada para 2012. De acordo com o MEC, a resolução do conselho é apenas uma orientação para as escolas e, por isso, as secretarias de Educação têm autonomia para segui-la ou não. Em Minas Gerais, a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo estadual aderiram ao modelo. Mas, para diminuir o impacto da mudança, a Secretaria de Estado de Educação publicou um ofício segundo o qual, em caráter excepcional, este ano, meninos nascidos em qualquer mês poderiam se matricular na rede estadual de ensino. Para 2012, valem as novas regras.
O Conselho Estadual de Educação também divulgou parecer autorizando a matrícula no ensino fundamental e dando garantia de prosseguimento dos estudos para crianças que ingressaram antes de 2010 na pré-escola, independentemente do mês de aniversário. Segundo a assessora de Legislação Escolar do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep/MG), Letícia Cunha, as escolas têm autonomia para não acatar essa norma e se valerem da resolução do CNE.
Ação
Em Pernambuco, uma ação pode beneficiar meninos de todo o Brasil. O Ministério Público Federal do estado entrou na Justiça com pedido de liminar para que o MEC permita que crianças com 6 anos incompletos possam ser matriculadas na primeira série do ensino fundamental, desde que sua capacidade intelectual seja comprovada por meio de avaliação psicopedagógica. Segundo o MPF, as regras afrontam dispositivos constitucionais e legais, pois não consideram as peculiaridades de cada criança. A ação reforça que a capacidade de aprendizagem da criança deve ser analisada de forma individual, o que não se mede pela idade cronológica.
“A deliberação do Conselho Nacional de Educação deveria ter previsto a possibilidade de se proceder a uma avaliação psicopedagógica das crianças que pretendem ingressar na 1ª série do ensino fundamental, critério de admissão que privilegiaria a capacidade de cada uma e não a sua data de nascimento, garantindo-se, com isso, tratamento isonômico”, ressalta o procurador da República Anastácio Nóbrega Tahim Júnior, responsável pelo caso. De acordo com o MPF, o Ministério da Educação ainda deverá ser notificado. Somente depois do comunicado, a Justiça decidirá se concede a liminar.
Esperança para a auxiliar de serviços gerais Neide dos Santos, de 35 anos, mãe da menina Laura. Para ela, nada importa mais que ver a filha crescer com oportunidades melhores que a dela. “Se eu pudesse, pagaria uma escola particular que aceitasse minha filha ou até um advogado para obrigar alguma a aceitá-la. Mas, infelizmente, só me resta esperar e explicar a ela porque os coleguinhas vão para outra escola e ela ficará no mesmo lugar”, diz Neide.
Matrículas negadas vão parar na Justiça
Enquanto não surgem determinações em nível nacional, quem se sente prejudicado recorre como pode. A advogada Ana Cláudia de Freitas Reis e Martins ganhou este ano ação impetrada contra um tradicional colégio de Belo Horizonte, que barrou a matrícula de uma menina de 5 anos. Ela completaria 6 anos em 28 de abril, menos de um mês depois da data de corte estipulada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Revoltados, os pais acionaram a Justiça.
O Juizado da Infância e Juventude negou o mandado de segurança, que só foi concedido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). “Na ação, cito vários artigos, como a educação que é direito de todos e dever do Estado, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar, o direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade de cada um, entre outros argumentos”, diz Ana Cláudia.
Para aumentar a revolta do professor, uma funcionária do colégio ligou perguntando se Davi estudaria o 2º período lá e informou que a data de corte em 31 de março valia apenas para alunos novos. “Ela disse ainda que se quiséssemos colocá-lo no ano seguinte, quando ele estará no 2º ano do fundamental, não haverá problema se ele fizer o teste de aceleração”, relata. “ O filho de quem não tem recurso nem conhecimento vai ficar atrasado. Só o de quem tem recurso para pagar uma escola ou informação para entrar na Justiça avançará nos estudos.” Walner decidiu, então, manter o filho na escola antiga.
O que alega cada órgão
Conselho Nacional de Educação
É obrigatória a matrícula na educação infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos até 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula; e as crianças que completam 6 anos depois de 31 de março devem ser matriculadas na educação infantil
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE BH
A data limite de 31 de março passou a valer em 2011
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE MINAS
Em 2011, por ser tratar de período de transição, ainda foram aceitas crianças que completam 6 anos em qualquer mês do ano. Em 2012, passará a valer a data limite de 31 de março
SINDICATO DAS ESCOLAS PARTICULARES
Vale a resolução do CNE. A exceção é para crianças que ingressaram antes de 2010 na pré-escola, que terão direito a prosseguir os estudos
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Teste pode ser solução
ANA CLÁUDIA DE FREITAS REIS - ADVOGADA
“Essa data de corte é inconstitucional, pois a própria Constituição não delimita uma idade mínima para o ingresso escolar em nenhuma etapa da escola. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) também não tem nada nesse sentido. Essa orientação do CNE acaba ganhando um caráter discriminatório. Ela deveria levar em consideração até nível cultural da criança. Não basta definirem uma data e submeter a criança à repetição da série pela qual ela passou com louvor simplesmente porque a lei determina que ela deveria ter nascido um pouco antes. Isso é um absurdo. Melhor seria se fizessem um teste para ver se o menino está apto a prosseguir. Numa sala há crianças nascidas em vários períodos do ano. Ela vê o colega indo para a frente e ela ficando para trás. Isso pode ter efeitos psicológicos.