Como um diário das rodovias federais mineiras que alerta motoristas sobre acidentes, desvios e obras, o Twitter da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Minas Gerais é um indicativo de que os mais graves desastres rodoviários ocorrem envolvendo veículos de carga. Levantamento feito desde o primeiro tuíte da PRF, publicado em 28 de março deste ano, até o dia 5 de setembro mostra que 61% dos acidentes envolviam caminhões e carretas.
Pelo diário dos patrulheiros mineiros é possível ter uma pequena noção dos transtornos causados por cada carreta ou caminhão que tomba na pista e a bloqueia. Entre março e setembro foram 71 interrupções de pistas devido a acidentes com veículos de carga. Essas ocorrências causaram nada menos do que 328 horas e 20 minutos de retenções e congestionamentos. É o equivalente a 13 dias e meio de trânsito parado por causa das longas carrocerias atravessadas nas pistas ou de suas cargas no pavimento. Levando-se em conta os 192 dias monitorados, o índice anual chegaria a 25 dias, ou seja, quase um mês de interrupções. As cargas que mais vazaram foram o carvão (quatro vezes), cimento e papelão (três vezes), calcário, cerveja, óleo, aço e minério (duas vezes).
Tensão na boleia marca viagens
Quando o acostamento terminou e o caminhoneiro Luiz Henrique Abdala, de 41 anos, precisou voltar à estreita pista da BR-381 antes de trombar sua carreta num barranco, um festival de imprudências começou. Primeiro uma moto e um carro terminaram de cortá-lo na faixa contínua. Em seguida, outra carreta, com mais de 20 metros de comprimento, invadiu a contramão pela esquerda para ultrapassá-lo e obrigou os carros que vinham no sentido contrário a desviar pelo acostamento. A manobra para ultrapassar a carreta de Abdala, que tem 19,8 metros e peso total de 57 toneladas, levou segundos. Mas o tempo pareceu longo para o caminhoneiro.
“As pessoas não têm respeito pela vida. Eu estou errado de rodar no acostamento, mas, se fazendo isso os outros motoristas já abusam, imagine se for rodar só dentro da pista única, fazendo uma fila enorme atrás de mim”, disse o condutor, que levaria dois dias de viagem de Contagem a Feira de Santana (BA). A repetição de situações como essa tornou tenso o clima dentro da cabine escura do veículo onde a reportagem do Estado de Minas acompanhava Abdala para conhecer os perigos do trecho entre Belo Horizonte e João Monlevade (Região Central).
Numa carreta de aço tão alta que só é acessível por escadas e tão forte que pode transportar todo esse peso a 120 km/h, a impressão que se tem, comparado o veículo com carros e ônibus, é de que os caminhoneiros são praticamente invulneráveis. Na boleia não é bem assim. As respostas do veículo são lentas e precisam ser programadas. “Preciso de mais de 200 metros para parar minha carreta se frear de repente, a 50 km/h. Preciso ser rápido e acionar a manete do freio da carreta antes, se não corro risco que ela dê um “L” e fique atravessada na pista ou tombe comigo”, explica Vicente Marciano de Paula, de 58 anos, outro carreteiro acompanhado pela reportagem. Ele também viajava para Feira de Santana, levando bobinas de aço de Juiz de Fora.
Minério
No trajeto pela BR-040 o maior risco são os caminhões carregados de minério que entram e saem o tempo todo das estradas de terra que levam a mineradoras locais. “Eles são muito perigosos. Ganham por viagem e por isso correm muito”, reclama Vicente. Além de ultrapassagens arriscadas e de espremerem outros veículos contra suas pistas, esses veículos de cargas ainda espalham poeira e minério sobre a estrada, chegando a entupir as valetas.
Na BR-381, os riscos abertos no asfalto pelo tombamento de caminhões lembram Abdala das situações perigosas provocadas pela vida na estrada. “Em 2001, um caminhão perdeu o controle e bateu na minha carreta. Tive alguns cortes, mas o motorista morreu. Isso marca a gente”, conta. “Outro dia uma bitrem me ultrapassou pelo quebra-molas e bateu de frente num carro, matando o condutor do veículo pequeno. Quando lembro disso (bate no retrato da filha no teto da carreta), lembro que um dia preciso parar e me aposentar.” (MP)